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A árvore do esquecimento: ancestralidade sagrada do Baobá e seus usos potenciais

Nina C. Barboza da Silva
29 de junho de 2023

É preciso que a gente se conforme em arrancar regularmente os baobás logo que se distingam das roseiras, com as quais muito se parecem quando pequenos”.

O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry



Quem já leu o famoso livro "O Pequeno Príncipe", escrito por Antoine de Saint-Exupéry, deve se lembrar da parte onde o protagonista encontra um príncipe de outro planeta que o alerta sobre a importância de cuidar e evitar que os baobás cresçam em seu planeta, pois eles podem destruí-lo. Essa referência ressalta a imagem icônica do baobá como uma árvore imponente e poderosa.


Baobá é um dos nomes populares atribuídos à espécie Adansonia digitata L., pertencente à família Malvaceae, a mesma do quiabo e do hibisco. Outros nomes são embondeiro, imbondeiro ou calabaceira. É uma espécie nativa do continente africano, sendo amplamente encontrado nas regiões mais secas da África tropical e também no sul, desde a Mauritânia no noroeste até o Sudão no nordeste e a África do Sul. É encontrada ainda em diversas regiões de Madagascar e da Austrália.

O Baobá pode chegar a 25 metros de altura e possui um tronco com circunferência imensa, com capacidade de armazenar grandes quantidades de água, o que permite sua sobrevivência em áreas áridas e secas. Do ápice deste tronco partem ramos espalhados conferindo à espécie um aspecto peculiar, parecendo como se a árvore estivesse de cabeça para baixo. Essa característica, somada ao fato de os troncos poderem apresentar, naturalmente, enormes cavidades, contribuem para muitas das lendas e mitos associados ao baobá na cultura africana. De modo geral, o uso do baobá vem aumentando em todo o mundo nas indústrias farmacêuticas, alimentícia e cosmética, principalmente.


Embora não haja uma história mitológica específica associada ao baobá, essa árvore é profundamente enraizada na cultura e nas tradições das comunidades africanas, simbolizando a conexão entre o mundo sobrenatural e o material, entre os vivos e os mortos, e sendo por isso, um dos “pilares do mundo”. Conhecido por sua resistência e longevidade, essa árvore pode viver por milhares de anos, tal como um exemplar existente na Namíbia, cuja datação por radiocarbono indicou uma idade de cerca de 1.275 anos. Talvez por isso, em algumas culturas africanas acredita-se que os espíritos ancestrais habitem os baobás. Diz-se que essas árvores ancestrais são guardiãs das almas dos antepassados, dos segredos e histórias ancestrais, mantendo a conexão entre o passado e o presente e, por isso, são reverenciadas e respeitadas. As pessoas muitas vezes realizam rituais e deixam oferendas aos baobás, buscando proteção espiritual, orientação e bênçãos.


Na África existem várias narrativas populares associadas à árvore baobá. Essas histórias têm sido transmitidas oralmente ao longo de gerações e variam de acordo com as diferentes culturas e regiões. Uma história comum fala sobre como o baobá era originalmente uma árvore esbelta e bonita. Diz-se que um dia, os deuses decidiram presenteá-la com poderes especiais, mas advertiram que a árvore não deveria se vangloriar. No entanto, o baobá ficou orgulhoso e arrogante, proclamando-se a mais bela de todas as árvores. Como punição, os deuses inverteram a árvore, colocando suas raízes para cima e suas folhas para baixo. Uma lenda conta a história de como o baobá se tornou uma árvore solitária na paisagem africana. Diz-se que, no início, todas as árvores conviviam harmoniosamente. No entanto, o baobá começou a se gabar de sua grandeza e superioridade. Os outros seres da floresta, cansados de sua arrogância, pediram aos deuses que separassem o baobá do resto das árvores. Como resultado, o baobá foi transplantado para terras áridas e solitárias, onde permanece até hoje.


Nas religiões de matriz africana, o baobá assume diversas representações e funções, sendo considerada sagrada no candomblé e na umbanda.


Além de sua importância religiosa e mística, o baobá possui diversos outros usos. Seus frutos são preenchidos com polpa farinácea contendo muitas sementes pequenas (de onde provém o nome Baobá, originário da palavra árabe Baobab e que significa “pai de muitas sementes”). Essa polpa, rica em vitamina C, é consumida pura, misturada em mingaus e utilizada na fabricação de refrigerantes. As sementes são utilizadas como espessante em sopas, as folhas são consumidas como vegetal e as fibras da casca interna são usadas para fazer cordas e cordéis. São relatados diversos usos etnofarmacológicos de diferentes partes do baobá, tais como hidratantes, antipiréticas, antiparasitárias, antitussígenas e sudoríficas e também no tratamento de diarreia e disenteria em muitos países africanos.


No Brasil, o baobá também está presente, embora sua ocorrência seja limitada aos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Em São Paulo podemos ver um exemplar no Parque do Ibirapuera, plantado em 2015 pelos funcionários do Museu Afro Brasil como uma forma de manter viva a memória dos povos africanos trazidos escravizados e que eram obrigados a dar voltas em torno de um baobá antes de embarcar para que se esquecessem de sua cultura e a vida que levavam. Devido a esse contexto, o baobá era conhecido como “Árvore do esquecimento”. No Rio de Janeiro há registros de exemplares da espécie no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, na Ilha de Paquetá e em Quissamã, conforme informações do Mapa de Cultura do Rio de Janeiro. Sabemos ainda que há um único representante no Horto Botânico do Museu Nacional/UFRJ. Entretanto, parece ser na cidade de Recife que o baobá é quase um cidadão honorário, havendo nada menos que 151 árvores, 13 das quais são tombadas segundo a Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Recife, e sendo o dia 19 de junho comemorado o Dia do Baobá. Curiosamente foi lá, em Recife, meu único encontro com essa árvore tão icônica na cultura africana.

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