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Canela-de-Velho: uma perspectiva sobre a venda irregular de plantas medicinais

Lucas Greenhalgh
29 de outubro de 2020
Revisão: Leopoldo C. Baratto

Certamente vocês já ouviram falar nessa planta, a canela-de-velho, ou pelo menos nos produtos com esse nome. Para mim e meus conterrâneos da Cidade Maravilhosa, é quase impossível você ser usuário dos serviços de transporte público ou frequentador de feiras livres e não topar eventualmente com um tubo de creme anti-inflamatório e analgésico a “base de canela-de-velho” para uso externo. Os tubinhos verdes - cor das folhas e símbolo universal de “produto natural” - trazem estampadas fotos de plantas (mas que não são a canela-de-velho verdadeira!) ou mesmo imagens de idosos (não necessariamente suas "canelas"!) sorrindo, fazendo apelo ao consumidor mais velho, que sabidamente possui problemas relacionados à dor nas articulações, são mais sensíveis à dor e possuem problemas de mobilidade. O público mais idoso acaba sendo mais facilmente convencido do uso desse tipo de produto, pois são os principais usuários do conhecimento tradicional que envolve o uso de produtos naturais – o famoso chazinho de planta como remédio.


No rótulo do produto muitas vezes a surpresa: não necessariamente há canela-de-velho (Miconia albincans (Sw.) Steud., Melastomataceae) na composição. Sim, muitas vezes algumas pomadas/cremes massageadores se limitam a extratos de plantas como a copaíba, mil-folhas, unha-de-gato, mastruz e mistura de componentes como o mentol e a cânfora, muito comuns em produtos de uso externo usados para alívio de dores. Além do mais, a canela-de velho é muito parecida com outras espécies da família Melastomataceae, entre elas a quaresmeira, árvore que dá flores roxas na época da quaresma, nos meses de março e abril, e cujas folhas são usadas como adulterante da espécie original. Em uma pesquisa rápida, consegui observar que apenas 2 produtos de uso externo continham, de fato, o extrato da M. albicans.


Olhando as bases de registro de produtos da Anvisa, observei que só existem notificações de produtos cosméticos com a canela-de-velho, ou seja, necessariamente os produtos são para uso externo. Isso é importante de ser mencionado porque na internet e em feiras é muito comum encontrar garrafadas, cápsulas, pós, folhas para chás, que não são regulados pela vigilância sanitária. E também em lojas de produtos naturais encontramos diversos desses produtos que são enquadrados como “suplementos” e são dispensados dos rigores sanitários. Muitas empresas, portanto, atribuem esse nome a produtos curativos atribuindo-os eficácia e segurança que não são estabelecidos cientificamente (e nem pelos critérios de uso tradicional), mesmo ainda os que não contêm, de fato, a planta.


Dada essa questão, com a impossibilidade de garantir a segurança e eficácia desses produtos, a Anvisa publicou em 1º de junho de 2018 a Resolução nº 1.417, proibindo a fabricação, distribuição e comercialização de produtos com o nome “canela de velho” até que fosse registrado como medicamento e tivesse sua eficácia comprovada. Claramente a resolução não foi posta em prática e esse problema pode ser atribuído principalmente à falta de fiscalização. A fiscalização pelas autoridades sanitárias é essencial para que a população receba formas de tratar seus problemas da forma mais segura e mais eficaz, diminuindo os riscos de efeitos adversos, toxicidade e agravamento da enfermidade. Fiscalização faz parte das estratégias de proteção à saúde e é, portanto, um direito nosso e um dever de nossas autoridades, que deve ser constantemente cobrado.


Embora vendida como milagrosa há anos, a canela-de-velho não possuía estudos demonstrando seus efeitos em seres vivos até esse ano de 2020, quando dois estudos in vivo (Quintans-Junior e cols., 2020; Lima e cols., 2020) mostraram associação entre o extrato de M. albicans e a inibição de marcadores inflamatórios (interleucinas 1-beta e 6 e TNF-alfa), além de atividade antioxidante. Tais estudos preliminares são importantes passos para que possa ser comprovada a eficácia e segurança da planta, permitindo, posteriormente, o registro de produtos medicinais dentro dos limites legais, favorecendo o consumidor no seu processo de cura.

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