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Comunidades da Amazônia: os protetores da biodiversidade

Gilberto C. Oliveira
16 de junho de 2021
Revisado por Leopoldo C. Baratto

“Estamos segurando o céu para que ele não desabe sobre nossas cabeças”.


Começo citando esse trecho do depoimento de um dos maiores líderes Yanomami, Davi Kopenawa. Davi afirma que o povo Yanomami segura o céu, pois as “xawaras” (doenças) são provocadas pelas destruições das florestas, dos solos e dos rios pelos “brancos” (não-indígenas), e esse desequilíbrio provoca o desabamento do céu sobre todos do planeta Terra.


Muito se fala sobre a biodiversidade do bioma Amazônia como um lugar de espaço de mistério, de um ponto que sempre precisa ser descoberto. A Amazônia é um berço para novidades científicas, culturais e sociológicas, mas também como fonte para novidades econômicas. O ritmo da exploração por minérios preciosos, pela construção de grandes hidrelétricas, portos e estradas em áreas ambientais, e por tantos outros projetos monumentais, avançam freneticamente.


Nesse momento, pare e pense por alguns segundos, com quantas notícias de desmatamento na região Norte você tem se deparado nos últimos anos? Agora, por mais alguns segundos, quantas dessas notícias mostraram o impacto na vida dos amazônidas? Após essa breve contextualização podemos chegar ao título dessa coluna. Há quem diga que a Floresta Amazônica é uma herança, foi cultivada pelas primeiras sociedades sofisticadas e complexas na Amazônia pré-colombiana, deixada para que hoje as comunidades tradicionais continuem a manutenção do território.


Fui criado no terreno no sítio dos meus avós, situado em uma região quilombola do Pará, onde pude vivenciar meu avô falando da pesca, dos meus tios caçando e cuidando da roça, da minha avó nomeando algumas plantas medicinais. Ao observarmos as histórias das diversas etnias indígenas, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos “beiraderos”, dos seringueiros, dos castanheiros pela região Norte, também podemos entender essa relação tão intrínseca com a outra Natureza, afinal nós também somos Natureza. Tudo com muito cuidado e zelo, tudo com muita dedicação e conhecimento, essas práticas não combinam com a retórica de que a Amazônia ainda é um vazio demográfico, e somente tem a função de alavancar a economia brasileira. Muito pelo contrário, a Amazônia é feita de Amazônias.


Trabalhos de diversos pesquisadores interessados no bioma, como o cientista Philip Fearnside, apontam a perda de mais de 20% da Floresta Amazônica, e dos êxodos forçados de comunidades que buscam sobreviver frente a tantos ataques. Na linha de frente dos conflitos territoriais, estão os indígenas Mundurukus no Baixo Tapajós que tiveram suas casas incendiadas por garimpeiros e sofrem contaminações incessantes por mercúrio na água; estão os Yanomamis que foram atacados a tiros também por garimpeiros; estão os “beiraderos”, que vivem às margens do Baixo Tapajós, torcendo para não serem atacados; estão os Boraris, que sofrem pressão imobiliária em Alter do Chão, em Santarém, no Pará; estão na linha de frente as vendedoras de plantas medicinais e peixeiros no mercado Ver-O-Peso, que já sofrem o impacto da transformação da paisagem na orla em Belém, no Pará; estão a comunidade do bairro Colônia Santo Aleixo, que protestam contra a construção de um porto hidroviário próximo ao Encontro das Águas em Manaus, no Amazonas, colocando em risco essa formação natural e a vida dos moradores ao redor. Esses são apenas alguns exemplos sobre as lutas no espaço amazônico, pois são muitas, e na maioria das vezes ocorrem na invisibilidade.


Ao leitor e à leitora quero fazer um convite para pensarmos sobre os tantos trabalhos em Etnobiologia, Etnobotânica, Farmacognosia, Sociologia, História, Antropologia, Saúde e demais áreas que envolvem o conhecimento dos guardiões da floresta. O convite é para pensarmos sobre o quanto estamos alinhados como pesquisadores, e sobretudo como cidadãos, que reconhecem o compromisso de também sermos aliados nas lutas por proteção aos biomas brasileiros e por proteção à vida de quem cuida da biodiversidade. Muitas das comunidades tradicionais são colaboradoras de muitos projetos científicos brasileiros, é necessário que essa colaboração atravesse o meio acadêmico e alcance também os meios sociais e políticos, para uma ciência de transformação que resulte em possibilidades de uma sociedade menos desigual.


Os Yanomamis estão segurando o céu para que ele não desabe sobre nossas cabeças. Mas, e quanto a nós? Estamos segurando o céu junto com eles ou estamos pressionando para que ele caia de uma vez?

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