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50 por cento menos barriga: 100 por cento mais felicidade! A laranja-moro emagrece mesmo?

Leopoldo C. Baratto
07 de julho de 2021

Há décadas, a ditadura da beleza nos causa angústia em frente ao espelho. Com as mídias sociais, a imposição de padrões estéticos tornou-se obsessão: corpos esculturais na praia clamando curtidas nas fotos do Instagram, rostos moldados à base de ácido hialurônico, lábios com micropigmentação, criolipólise, fios de sustentação, peeling, luz intensa pulsada, botox preventivo, silicone e o novo método da próxima semana. Nas redes sociais, encontramos profissionais sérios, habilitados a realizar estes procedimentos, mas também os “blogueiros”, que dão sua opinião a respeito, mas muitas vezes sem embasamento técnico. É bem verdade que a opressão sobre os corpos perfeitos vem sendo superada a cada dia, com as pessoas aceitando sua beleza própria, abrindo espaço para a diversidade de corpos de todos os tamanhos, cores, idades. No entanto, as propagandas enganosas sobre o uso de certos produtos para a perda de peso, incluindo suplementos alimentares (alguns produtos irregulares, inclusive!) e plantas medicinais, e até mesmo receitas para emagrecer perigosas (chás com 50 ervas?), continuam a surgir diariamente.


É o caso da laranja-moro, conhecida já há alguns anos como auxiliar na perda de peso. Dia desses me deparei com um stories de uma jornalista e blogueira fitness fazendo propaganda de um produto à base de laranja-moro de uma farmácia de manipulação. Ela dizia que o produto era SEN-SA-CIO-NAL!, que funcionava mesmo, até quem não pratica nenhuma atividade física (nenhuma!) perderia peso, e que poderia ser ingerido com bebida alcóolica sem nenhum problema. Além do mais, a entrega do produto era para o Brasil inteiro e você poderia pagar em até 12 vezes no cartão de crédito. SEN-SA-CIO-NAL! Será? A laranja-moro (Citrus sinensis var. moro) é uma variedade de laranja sanguínea (tem esse nome devido a cor avermelhada da parte interna do fruto), típica do leste da Sicília, na Itália. Ao contrário das laranjas comuns, a laranja-moro apresenta alto teor de pigmentos avermelhados da classe das antocianinas (principalmente a cianidina-3-O-β-glicosídeo) e também de licopeno e betacaroteno, além de flavonoides (como hesperidina, narirutina, naringina, naringenina) e vitamina C. Estudos têm evidenciado o papel do suco e também dos extratos de laranja-moro na redução do peso corporal. No Brasil, a laranja-moro passará a ter autorização para uso como suplemento alimentar em 2021. Lembrando que suplementos alimentares não são medicamentos fitoterápicos. Enquanto os fitoterápicos possuem uma legislação bem definida e rigorosa para autorização de registro, que exige comprovação de eficácia e segurança, os suplementos alimentares ainda não estão completamente regulamentados.


Em animais tratados com dieta rica em gorduras, o tratamento com o suco de laranja-moro, após 12 semanas, reduziu o peso corporal e acúmulo de gordura abdominal em 50%, com redução no tamanho dos adipócitos; reduziu triglicerídeos e colesterol total; aumentou a sensibilidade à insulina, e ainda melhorou a esteatose hepática (também chamada de fígado gorduroso, pelo acúmulo de gorduras no órgão) dos animais.


Em estudos clínicos com voluntários (homens e mulheres), com sobrepeso ou obesidade, o consumo de suco de laranja-moro (aprox. 500-700 ml por dia), após pelo menos 8-12 semanas, não apresentou nenhuma eficácia sobre a perda de peso corporal e circunferência da cintura. No entanto, níveis de colesterol total e LDL (colesterol ruim) foram diminuídos, assim como a pressão arterial. Níveis de proteína C-reativa também foram reduzidos, evidenciando um potencial anti-inflamatório, além de potencial antioxidante sérico aumentado. Quanto à resistência à insulina, os dados são controversos, pois em dois estudos os resultados são opostos (diminui ou aumenta a resistência), embora os níveis de glicose sérica tenham permanecido inalterados ou aumentado. A desvantagem apresentada pelo suco é o seu alto teor de açúcares, que pode contribuir com o efeito contrário: aumento de peso se consumido em doses acima das avaliadas.


Já estudos com o uso do extrato de laranja-moro em comprimido/cápsula (400 mg), 1 vez ao dia, mostraram evidências, em humanos, da redução do IMC (índice de massa corporal) e medidas da cintura e quadril após 12 semanas.


O mecanismo de ação não é totalmente elucidado, mas evidências mostram que as antocianinas aumentam a secreção de algumas adipocitocinas nos adipócitos, favorecendo o emagrecimento. Através do ácido protocatecuico (o principal metabólito in vivo da principal antocianina, cianidina 3-O-β-glicosídeo), a expressão gênica de enzimas lipogênicas no fígado é reduzida, levando a uma diminuição do acúmulo de lipídios hepáticos. Experimentos in vitro e in vivo sugerem que as antocianinas podem modular a expressão gênica de várias adipocitocinas e outros fatores, e assim regular as vias envolvidas na lipogênese e no acúmulo de gordura. Apesar da cianidina 3-O-β-glicosídeo ser considerada a principal substância ativa da laranja-moro relacionada à perda de peso, estudos mostram que esta ação se deve a um efeito sinérgico com o fitocomplexo (vitamina C, flavonoides, ácidos fenólicos e antocianinas). Os flavonoides, por exemplo, apresentam elevado potencial antioxidante e anti-inflamatório. Experimentos com a cianidina 3-O-β-glicosídeo isolada não foram capazes de apresentar o mesmo efeito de redução de gordura corporal como o extrato.


Os efeitos hipolipidêmicos promovidos pelos flavonoides, como a naringenina (a forma aglicona da naringina), têm como mecanismos a redução da atividade da HMG-CoA redutase e acil-CoA: colesterol aciltransferase (ACAT), enzimas envolvidas na síntese de colesterol. A inibição da captação intestinal de glicose e reabsorção renal de glicose pela naringenina pode explicar, pelo menos parcialmente, a ação anti-hiperglicêmica in vivo da naringenina e seus derivados. Esse composto também melhora a sensibilidade à insulina e o metabolismo da glicose em camundongos com tendência metabólica. Os flavonoides (hesperidina e naringina) e carotenoides do suco de laranja-moro melhoram a função endotelial dos vasos sanguíneos, aumentando a síntese de óxido nítrico (NO) e diminuindo a pressão arterial diastólica em indivíduos com sobrepeso.


Quanto aos marcadores de inflamação, fibrinogênio e proteína C-reativa, a literatura é clara e não há dúvidas de que, quando elevados além de uma faixa saudável normal, refletem frequentemente uma condição de inflamação crônica, diretamente correlacionada com um depósito excessivo de gordura abdominal. Assim, a perda de peso, e particularmente a diminuição da circunferência da cintura, deve estar associada à redução dos marcadores inflamatórios. Esses efeitos benéficos podem ser facilmente explicados pelas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias das substâncias fenólicas presentes na laranja-moro.


Embora haja poucos estudos clínicos a respeito do uso da laranja-moro para controle do peso corporal, as evidências mostram que há um efeito positivo sobre a perda de peso e parâmetros metabólicos (colesterol e glicose). Ainda são necessários estudos mais robustos para elucidar a eficácia da laranja-moro. Assim como qualquer outro fitoterápico ou suplemento, não faz milagre. Os efeitos adversos do uso equivocado ou as interações medicamentosas que podem ocorrer com outros fármacos não são conhecidos e por isso deve ser utilizado com acompanhamento e orientação de um profissional da saúde. Além do mais, o gerenciamento do peso envolve mudança de hábitos, que vão desde adaptações na alimentação e controle de calorias até a prática regular de exercícios físicos. As plantas e seus derivados são nossas aliadas na busca por uma vida saudável, mas podem trazer riscos se usadas de forma inadequada.


Agradecimentos: À Juliana Fernandes Ramos, farmacêutica graduada pela UFRJ, cujo TCC forneceu subsídios para esta coluna.


Para saber mais:


Azzini, E., Venneria, E., Ciarapica, D., Foddai, M. S., Intorre, F., Zaccaria, M., Maiani, F., Palomba, L., Barnaba, L., Tubili, C., Maiani, G., Polito, A. (2017). Effect of Red Orange Juice Consumption on Body Composition and Nutritional Status in Overweight/Obese Female: A Pilot Study. Oxidative Medicine and Cellular Longevity, 1672567. https://doi.org/10.1155/2017/1672567.


Cardile, V., Graziano, A.C., Venditti, A. (2015) Clinical evaluation of Moro (Citrus sinensis (L.) Osbeck) orange juice supplementation for the weight management. Natural Product Research, 29 (23): 2256-60. https://doi.org/10.1080/14786419.2014.1000897.


Ponce, O., Benassi, R., Cesar, T. (2019). Orange juice associated with a balanced diet mitigated risk factors of metabolic syndrome: A randomized controlled trial. Journal of Nutrition & Intermediary Metabolism, 17: 100101. https://doi.org/10.1016/j.jnim.2019.100101.


Salamone, F., Li Volti, G., Titta, L., Puzzo, L., Barbagallo, I., La Delia, F., Zelber-Sagi, S., Malaguarnera, M., Pelicci, P.G., Giorgio, M., Galvano, F. (2012) Moro orange juice prevents fatty liver in mice. World Journal of Gastroenterology, 18 (29): 3862-8. https://doi.org/10.3748/wjg.v18.i29.3862.


Titta, L., Trinei, M., Stendardo, M. et al. (2010). Blood orange juice inhibits fat accumulation in mice. International Journal of Obesity, 34: 578–588. https://doi.org/10.1038/ijo.2009.266.

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