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A Amazônia foi plantada

Gilberto C. Oliveira
06 de abril de 2023

“Para proteger as árvores e os rios, é preciso cuidar das pessoas que protegem as árvores e os rios”.

Vanda Witoto, ativista indígena e educadora política


A rica biodiversidade da floresta é fruto de uma relação de parceria entre povos e terra, povos e bichos, povos e água, povos e plantas. Estudos arqueológicos atuais apontam sobre a floresta amazônica ser uma herança dos nossos ancestrais, diversos povos que viveram há 14 mil anos e construíram sociedades de complexidade relevante, deixando vestígios como cerâmicas, madeiras, ossos e outros utensílios para fins agrícolas; também são reconhecidos os sambaquis, formações construídas com conchas de moluscos e areia pelos povos que habitavam as regiões litorâneas.


Essa co-parceria nos apresenta o que Ailton Krenak, filósofo e ativista indígena, diz em várias de suas análises, que não há como enxergar o futuro sem olhar para o passado. Um passado ainda tão marcado por preconceitos e pela própria visão “progressista” que direciona os sistemas políticos, econômicos e sociais em nossa sociedade, criando nichos ecológicos destrutivos em nosso meio, e fazendo com que nem se pense no passado como ferramenta de construção. Logo, começar a contar a história do bioma Amazônia partindo do pressuposto dos movimentos antrópicos e coletivos é enfrentar o apagamento dos conhecimentos tradicionais e uma construção de um novo rumo para se pensar na relação entre ser humano e natureza como uma coisa só.


Diante disso, como foi possível sociedades amazônicas viverem de maneira complexa há 14 mil anos? Um ensaio de resposta pode se desdobrar ao pensarmos nas questões da origem do bioma. Existem diversas linhas de pesquisa sobre o manejo agroflorestal em solos amazônicos que culminam nas evidências da co-parceria como ponto chave para a formação do bioma mais evidenciado ao redor do mundo. O projeto Humanos no Planeta Terra, da Universidade de Bergen, ou os projetos vinculados ao Smithsonian Tropical Research Institute na Colômbia, reúnem durantes os últimos anos diversos estudos antropológicos e arqueológicos para explicar a relação dos povos com a floresta, demonstrando uma relação de equilíbrio, com os impactos que moldaram e continuam moldando os diversos aspectos da região. Estes estudos ainda alegam que foi possível os povos amazônicos viverem por 5 mil anos sem qualquer vestígio de devastação.


Se todo o território brasileiro, antes da invasão dos europeus, eram terras ocupadas por povos indígenas, faz sentido uma busca por novos enredos e pressupostos para entender alguns questionamentos para se fazer ciência, visto que tudo o que sabemos hoje ainda provém de uma base de conhecimentos que foi criada a partir da ótica do colonizador, este saber ainda utilizado para estruturar economia, política, ciências, educação, saúde e diversas outras áreas. Talvez com essa mudança epistemológica do saber, as soluções para os grandes problemas mundiais, como os de emergência climática, comecem a fazer sentido e a serem elaboradas de maneira possível, equitativa e coletiva.


Outra questão que o arqueólogo chamado Eduardo Góes Neves nos traz é sobre o preparo do solo como “terras pretas”, terras potencialmente férteis e que só podem ser explicadas a partir da visão antrópica devido à uma série de etapas que se necessita fazer para criar esse tipo de solo, criando assim um testemunho da ocupação humana. Há também uma grande quantidade de espécies vegetais que foram domesticadas pelos povos tradicionais ao longo da formação da Amazônia, tais como mandioca e castanha.


A sabedoria de povos originários e de povos de África permitiram que esse mundo chegasse até os dias atuais, pois a Amazônia foi plantada. O que não contavam é que o plantio também foi feito em espíritos e mentes, e que haveria resistência na construção do Bem Viver, onde o autor Alberto Costa, nos provoca para pensar sobre a necessidade da morte do conceito de “desenvolvimento”, para que assim haja um olhar para a história da Amazônia, entendendo o presente-bioma que nos foi deixado e assim entender os caminhos feitos para que um futuro possível exista para as próximas gerações.


Chegamos até aqui, e agora? Quem protegerá os que protegem a floresta amazônica?

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