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A uva, sua história e seus polifenóis

Hélio de Mattos Alves
28 de maio de 2020

A produção de vinho teve início a partir de 6000 a.C.,  quando o homem saiu do nomadismo para se dedicar ao cultivo e domesticação dos animais e a agricultura. A bebida surge a partir de um fenômeno natural chamado fermentação, que ocorre quando as leveduras - microrganismos presentes na natureza, inclusive nas cascas das uvas - se “alimentam” do suco das frutas produzindo energia, gás carbônico e álcool. A videira para vinificação pertence a espécie Vitis vinifera (outras espécies são Vitis rupestris, Vitis riparia e Vitis aestivalis, mas nenhuma delas possui a mesma capacidade de acumular açúcar na proporção de 1/3 do seu volume, nem os elementos necessários para a confecção do vinho).


No Velho Testamento, no Capítulo 9 do Gênesis, diz que Noé, após ter desembarcado os animais, plantou um vinhedo do qual fez vinho, bebeu e se embriagou. Galeno (131-201 d.C.), o famoso grego médico dos gladiadores e, posteriormente médico particular do imperador Marco Aurélio, escreveu um tratado denominado "De antídotos" sobre o uso de preparações à base de vinho e ervas, usadas como antídotos de venenos. Nesse tratado existem considerações perfeitas sobre os vinhos, tanto italianos como gregos, bebidos em Roma nessa época e como deveriam ser analisados, guardados e envelhecidos. A maneira de Galeno preparar um bom medicamento era começar com vinhos de 20 anos, que se esperava serem amargos, e, então, provar as safras mais novas até chegar-se ao vinho mais velho sem amargor. Segundo Galeno, o vinho "Falerniano" era ainda nessa época o melhor (tão famoso que era falsificado com frequência) e o "Sorrentino" o igualava em qualidade, embora mais duro e mais austero. A palavra "austero" é usada inúmeras vezes nas descrições de Galeno para a escolha dos vinhos e indica que o gosto de Roma estava se afastando dos vinhos espessos e doces que faziam da Campania a mais prestigiada região. Os vinhedos próximos a Roma, que anteriormente eram desprestigiados por causa de seus vinhos ásperos e ácidos, estavam entre os preferidos de Galeno. Ele descreveu os "grands crus" romanos, todos brancos, como fluídos, mas fortes e levemente adstringentes, variando entre encorpados e leves. Parece que o vinho tinto era a bebida do dia a dia nas tavernas.


A videira quando cultivada em condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento de patógenos durante o período vegetativo, está sujeita a uma série de doenças, que podem ocorrer em todas as partes da planta (raízes, troncos, ramos, folhas, brotos e cachos). Algumas dessas doenças, de natureza fúngica ou virótica, provocam grandes perdas e, frequentemente, tornam-se fatores limitantes ao cultivo. As pulverizações com fungicidas nas cultivares de uvas finas de mesa devem iniciar logo após a brotação, quando as plantas entram na fase de maior susceptibilidade às principais doenças fúngicas.  Para o controle do míldio (Peronospora manshurica, fungo que ataca preferencialmente as folhas, mas pode ocorrer também em ramos e frutos)  da videira o produtor tem a sua disposição os fosfitos, produtos derivados do ácido fosforoso, que são menos tóxicos. Estes produtos possuem ação estimulante das defesas naturais da planta, induzindo a produção de fitoalexinas. A resistência de plantas ao ataque de microrganismos causadores de doenças relaciona-se à presença de barreiras físicas e químicas de defesa. Dentre as barreiras químicas destacam-se as fitoalexinas, substâncias fungitóxicas sintetizadas de novo pelas plantas principalmente após a invasão ou o contato de seus tecidos com microrganismos.


Expressão de genes da rota dos fenilpropanoides em videira


Acúmulo de resveratrol e expressão de genes associados à biossíntese de estilbenos foram verificados em culturas de células de V. vinifera, a partir de efeitos combinados de ativação de defesa promovidos por ciclodextrinas e metil jasmonato que funcionam como elicitores. O resveratrol é um polifenol da classe dos estilbenos formado por meio de uma reação de condensação entre três moléculas de malonil-CoA e uma molécula de 4-cumaroil-CoA. Sua biossíntese ocorre em resposta a ambientes de estresse vegetal, como infecções microbianas, radiação ultravioleta e flutuações de temperatura. Pode ser encontrado nas configurações cis ou trans. Os polifenóis, incluindo o resveratrol, têm mostrado elevado efeito cardioprotetor, possivelmente pela habilidade em reduzir o colesterol total e LDL-c, além de inibir a agregação plaquetária, estimular a vasodilatação e enzimas antioxidantes.


Os compostos fenólicos são os metabólitos secundários mais abundantes presentes no reino vegetal. Nas uvas, tais compostos são formados durante o amadurecimento e estão relacionados a várias das principais características do vinho exercendo influência significativa nos aspectos sensoriais da bebida, tais como maciez, cor, palatabilidade, amargura e adstringência.


Os flavonoides e as antocianinas e os taninos despertam maior interesse por serem responsáveis pela coloração tinta e a estrutura dos vinhos, respectivamente, exercendo, ainda, fundamental papel no seu equilíbrio gustativo.  A produção das antocianinas em uvas é restrita à casca, em concentrações que variam 300 a 750 μg, predominando as formas glicosiladas como a delfinidina, petunidina, peonidina e cianidina. O vinho tinto apresenta maiores quantidades de substâncias fenólicas que o vinho branco. Com relação aos flavonóis (catequinas, epicatequinas e epigalocatequinas), encontrados, principalmente, nas sementes e no bagaço das uvas, suas frações oligoméricas e poliméricas contribuem para uma maior maciez do vinho, menor adstringência e amargor e maior permanência gustativa, assim como melhor corpo e estrutura para envelhecimento. Além destes flavonoides, o vinho tinto contém quantidades apreciáveis de flavonóis – quercetina, miricetina e kaempferol – e de não flavonoides - estilbenos e ácidos fenólicos. Quanto mais intensa for a coloração da uva, maior será o seu potencial antioxidante e, consequentemente, de seus vinhos. Dessa forma, estes metabólitos secundários que fazem parte da dieta humana funcionam como antioxidantes, contribuindo para a redução do risco de doenças cardiovasculares. As uvas e seus produtos, como o vinho e o suco, são, provavelmente, os produtos alimentícios que contêm os maiores teores de resveratrol.  Em vinhos tintos, a quantidade de cis e trans-resveratrol varia de valores não detectados a 2 mg/L.


Uma das condições da viticultura que influenciam o conteúdo de resveratrol é a radiação ultravioleta (UV) emitida pelo sol. A incidência desta radiação nos tecidos de plantas apresenta efeito importante sobre o metabolismo fenólico. A luz UV do tipo B está associada com o aumento das enzimas responsáveis pela biossíntese de flavonoides, os quais podem proteger a uva da injúria causada por raios UV, prevenindo o dano ao material genético da planta.  A luz UV do tipo C também produz um estresse abiótico nos tecidos da planta, afetando o metabolismo fenólico em diferentes vias, tanto na síntese de resveratrol como na síntese de chalcona e seus derivados, sendo eles flavonoides, antocianinas e compostos aromáticos.


Os estudos sobre os mecanismos de defesa das videiras e a elucidação das moléculas dos agentes envolvidos cada vez mais colaboram com a explicação dos efeitos benéficos do suco de uva e do vinho.

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