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Admirável coincidência: a assustadora semelhança entre o livro Admirável Mundo Novo e o cenário da Ciência Brasileira

Leopoldo C. Baratto
12 de fevereiro de 2020

Nota: O texto expressa apenas a visão e a opinião particular do autor, L.C. Baratto.


Na literatura, as distopias – ou antiutopias - são um gênero que me prendem a atenção. Após ler “O Conto da Aia”, de Margareth Atwood, mergulhei na leitura de um clássico universal que compunha minha lista de livros desde a adolescência. Para mim foi adequada a leitura agora, com mais maturidade para compreender as mensagens por trás da ficção. “Admirável Mundo Novo” foi escrito em 1932 – destaco 1932! – por Aldous Huxley e nos apresenta uma sociedade futurista, “civilizada”, 600 anos depois de Ford, onde há estabilidade social e todos são felizes. Não há solidão nem infelicidade. A sociedade é dividida em castas, cada indivíduo tem uma função específica; a reprodução é seriada, in vitro, condicionada – os indivíduos são criados para exercerem as funções a qual estão predestinados; existe uma “droga da felicidade” – o Soma – distribuída pelo governo, que garante a tranquilidade social. Tudo o que reconhecemos hoje como felicidade – amor, família, fé, cultura – é repugnante naquele futuro. “As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter”. A estabilidade social deste “Novo Mundo” foi obtida as custas  da suplantação da Beleza, da Religião e da Ciência. A Arte e a Cultura não servem para nada, assim como Deus é renegado, substituído pela figura do grande Ford, e a Ciência é considerada perigosa. Os museus e obras de arte foram destruídos numa guerra, os livros foram destruídos ou confiscados. O mundo é governado pelos Administradores Mundiais, que na Europa, tem a figura de Mustafa Mond: “Mas, como sou eu que faço as leis aqui, posso também transgredi-las. Impunemente, Sr. Marx – acrescentou, dirigindo-se a Bernard. – O que, lamento dizê-lo, o senhor não pode fazer”. Na figura do Selvagem – John, que viveu isolado deste Novo Mundo e cresceu à maneira antiga, temos a exaltação da Beleza, principalmente nas citações a Shakespeare. O próprio título do livro é uma citação do autor inglês, em A Tempestade: “Oh, brave new world! Oh, admirável mundo novo!”.


O Administrador Mundial dizia: “Toda descoberta da ciência pura é potencialmente subversiva: até a ciência deve, às vezes, ser tratada como um inimigo possível. Sim, a própria ciência”. (...) “Não é somente a arte que é incompatível com a felicidade, também o é a ciência. Ela é perigosa; temos de mantê-la cuidadosamente acorrentada e amordaçada”. (...) “Interesso-me pela verdade, gosto da ciência. Mas a verdade é uma ameaça, a ciência é um perigo público. Ela é tão perigosa hoje quanto foi benfazeja no passado”. (...) “Por isso limitamos com tanto cuidado o círculo das pesquisas” (...). “Nós permitimos apenas que ela [a Ciência] se ocupe dos problemas mais imediatos do momento. Todas as demais pesquisas são ativamente desestimuladas”. (...) “Foi então que a ciência começou a ser controlada” (...) “Isso não foi bom para a verdade, sem dúvida. Mas foi excelente para a felicidade”. O embate entre a democracia e a ditadura, a lucidez e a cegueira, fica a cargo do Selvagem. “A arte, a ciência... Parece-me que os senhores pagaram um preço bastante alto pela sua felicidade”.


Impossível ler estas sentenças e não fazer uma analogia ao cenário atual da ciência brasileira. Não apenas da ciência, mas da educação com um todo, da cultura. Gastar dinheiro com cultura para que? O que se quer é um povo alienado. Investir nas universidades para que? Não se precisa institucionalizar o conhecimento, instruir as pessoas. O conhecimento, o saber, é uma arma de longo alcance, que passa de pessoa em pessoa. Não se quer que as pessoas tenham ideias e comecem a questionar o sistema. Investir em pesquisas científicas para que? Ciência gera conhecimento e conhecimento gera ideias. Assustadoramente tão real um texto escrito em 1932. Na atual realidade distópica que vivemos professores de Universidades Federais são zebras gordas que só fazem balbúrdia, doutrinadores de arruaceiros; servidores públicos são parasitas; secretário de educação de estado manda recolher livros de Mário de Andrade e Machado de Assis de escolas públicas; secretário da Cultura faz apologia nazista; e ainda por cima a terra é plana e a Teoria da Evolução é contestada. Quantos elementos para uma nova história antiutópica? Infelizmente não é ficção.


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