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Afinal, por que desidratamos Plantas Medicinais?

Ana Carla Prade
02 de junho de 2021

Era abril de 2018 em São Bento do Sul, Planalto Norte de Santa Catarina, e a horta comunitária do bairro Centenário estava verdejante. Hortaliças, plantas medicinais e PANCs (plantas alimentícias não convencionais), tudo brilhava e pedia colheita! Afinal, o início do outono é a época próspera para iniciar o armazenamento do que cultivamos nos meses anteriores. Estávamos com pouco mais de um ano do nosso Programa Municipal de Fitoterapia e os frutos de meses cultivando, acertando e errando, estavam diante dos nossos olhos. Na última semana de abril fez um calor típico de outono, trabalhamos o dia todo e no final da jornada esquecemos as laterais da estufa aberta... Chegou o final de semana e uma geada pegou todos de surpresa, a segunda-feira amanheceu branca e com as nossas plantas medicinais totalmente queimadas pelo gelo.


Até este momento eu estava trabalhando cada dia da semana em uma horta, atendendo a comunidade e prescrevendo plantas medicinais in natura, conforme o modelo Farmácia Viva Tipo 1. Os pacientes do SUS e da comunidade em geral me procuravam nas hortas comunitárias e eu atendia ali mesmo, dentro das estufas, muitas vezes sentada nos canteiros. Uma das espécies que eu tinha certeza da sua ampla utilidade na chegada no inverno era a Mikania glomerata (Asteraceae), o guaco, indicado para o alívio sintomático de afecções produtivas das vias aéreas superiores, presente inclusive na 2ª edição do Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (2021). Na geada de abril de 2018, perdemos 100% da plantação de guaco e ficamos sem esta espécie maravilhosa no que diz respeito a doenças respiratórias.


Foi através desta experiência desastrosa que entendi, na pele, a necessidade de desidratarmos plantas medicinais quando estamos estruturando a fitoterapia como ferramenta terapêutica dentro do SUS ou de qualquer âmbito da saúde.


A origem do processo de desidratar plantas medicinais e aromáticas pode ser estimado, porém não absolutamente definido. Podemos fazer um paralelo entre a história da perfumaria e do uso de plantas medicinais desidratadas. A historiografia oficial da origem dos perfumes remonta (etnocentricamente) à Europa, à princesa italiana de Néroli e à França como berço da perfumaria. Há uma vertente, defendida aqui no Brasil pela historiadora Palmira Margarida, que se refere à ancestralidade dos perfumes à era paleolítica (através da fumigação de plantas). A história da secagem de plantas medicinais vem provavelmente deste tempo e não apenas do período de aproximadamente 3000 anos antes de Cristo, como costuma ser descrito em artigos.


A priori, desidratamos plantas medicinais para poder usufruir de suas aplicações terapêuticas o ano todo. A sazonalidade de algumas espécies e as variações climáticas são argumentos concisos para, na prática, entendermos a necessidade deste processo. Mas a secagem do material vegetal possui um objetivo muito mais amplo. A secagem é o método mais antigo e utilizado para estabilizar os componentes químicos das plantas. Como assim? A produção de princípios ativos por uma planta medicinal é variável e depende de muitos fatores: estação do ano, período evolutivo da planta, nível de chuvas, altimetria, condições do solo, entre outros. O conhecimento ancestral aliado às pesquisas científicas tem elucidado o melhor momento de colher as espécies medicinais e/ou suas partes de interesse terapêutico. Este momento de colheita varia de espécie para espécie e quando respeitado é um preditor para produção de uma excelente droga vegetal.


Assim, após a colheita, na época certa, da forma correta, os princípios ativos da planta ficam à deriva das transformações químicas e enzimáticas, de origem interna e externa. A estabilização consiste em inativar estes processos que podem degradar as substâncias ativas, através de algum método (alta temperatura, radiação UV, banho com solventes orgânicos etc.), para que a maior quantidade de substâncias químicas de interesse seja preservada no interior das células que constituem os tecidos da droga vegetal. A estabilização pode ser definida como: “Ações empregadas em matérias-primas originadas de seres vivos que podem apresentar processos de decomposição, os quais acontecem após serem retirados de seus habitats. Assim, a estabilização visa primordialmente a inativação enzimática e/ou a retirada do meio reacional, a água, necessário para a vida microbiana e para a atividade enzimática”. A secagem, neste contexto, é conceituada como termoestabilização. Após o processo de secagem, espera-se a retirada de aproximadamente 95% da água presente na planta medicinal in natura, sendo esta porcentagem variável para cada espécie.


Resumindo: desidratamos as plantas para usufruir de seus benefícios em qualquer época do ano e para preservá-las em seu ápice de produção de princípios ativos, além de muitos outros motivos, de outras esferas de entendimento.


Depois desta “perda” do guaco e tantas outras espécies do nosso Programa Municipal de Fitoterapia em 2018, decidimos construir uma desidratadora de plantas medicinais. Foi um dos menores e melhores investimentos que fizemos no SUS: depois dela tive minhas aliadas de cuidados (as plantas) o ano todo. E assim surgiu a nossa ervanaria e assunto para mais uma coluna aqui no PlantaCiência.

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