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Fake News sobre plantas medicinais em tempos de pandemia

Leopoldo C. Baratto
13 de agosto de 2020

Fake News, se traduzirmos literalmente do inglês, são “notícias falsas” ou “notícias equivocadas”. Estas notícias são intencionalmente falsas, com potencial para enganar os leitores, criadas com o propósito de gerar dubiedade sobre algum fato, levando a incertezas quanto a veracidade da informação. Apesar de escutarmos frequentemente o termo Fake News nos veículos de comunicação, principalmente a partir de 2016 no período pré-eleitoral do Estados Unidos da América, o ato de propagar notícias falsas já é praticado há séculos. Na Itália e na França, nos séculos XVI e XVII, eram distribuídos jornais como Pasquins e Canards, na maioria das vezes com conteúdo difamatório a respeito de personalidades políticas. Na Alemanha, no século XIX, era comum a existência de falsos correspondentes, que diziam assinar suas colunas de outros países, quando na verdade se encontravam na sede do próprio jornal em território alemão. Mas foi no século XXI que o fenômeno ganhou força, pois encontrou nas redes sociais campo fértil para a disseminação destas informações: grande alcance de público, rapidez de compartilhamentos e enxurrada de curtidas.


As fake news se caracterizam pela falta de conteúdo sólido de suas notícias, geralmente bem estruturadas nas primeiras linhas. Se as pessoas lessem a notícia completa, a maioria seria capaz de deduzir tratar-se de uma mentira.  Um estudo de 2013 mostrou que 81% dos leitores de alguma notícia veem o primeiro parágrafo de um texto (não necessariamente o leem), ou seja, a maioria apenas lê a manchete e a primeira frase da notícia, antes de compartilhá-la. 71% dos leitores leem o segundo parágrafo, 63% leem o terceiro e apenas 32% “olham” o quarto. Além da falta de atenção dos leitores, a crise de confiança da população nos veículos tradicionais de comunicação, como jornais e canais de televisão, favorece a propagação das fake news.


Não é apenas em âmbito político que as notícias falsas têm causado transtornos. Na área da saúde, muito tem se falado no movimento antivacina. Pais de bebês se recusam a vacinar seus filhos por acreditarem que as vacinas podem causar outras doenças, entre elas autismo. A maioria dessas notícias disseminadas via whatsapp se baseava num trecho de um artigo científico dos anos 80, onde um pesquisador inglês publicou resultados preliminares da prevalência de casos de autismo em crianças vacinadas; o próprio autor do artigo retificou a publicação uma década depois. Na área de plantas medicinais, um típico caso de fake news aconteceu com uma pesquisa a respeito do ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus) nos anos 1960. Um pesquisador da USP havia avaliado o potencial citotóxico das cascas da árvore, que são ricas em lapachol. Os resultados in vitro sobre a replicação de células tumorais foram bastante interessantes, o que levou uma revista de grande circulação à época a publicar os resultados como “A colher de chá que cura tudo”. Alguns anos depois, um programa de televisão dominical apresentou uma reportagem a respeito da descoberta. No dia seguinte, milhares de pessoas foram às ruas em busca da casca milagrosa: a árvore quase entrou em extinção tamanho o extrativismo. O resultado foi in vitro, ou seja, muito preliminar, e nas décadas seguintes não houve nenhum estudo clínico com a substância visando desenvolver um quimioterápico. Mas até hoje vemos resultados de pesquisas científicas, muitas vezes preliminares, sendo divulgados de forma sensacionalista nas mídias sociais e nos veículos tradicionais, levando ao uso incorreto ou equivocado das plantas medicinais.


Em 2020 o mundo parou. Em 11 de março a Organização Mundial da Saúde declarou que a Covid-19 tornara-se uma pandemia. A doença causada pelo vírus Sars-Cov-2 surgiu em Wuhan, na China, e pegou países e governos desprevenidos, causando caos nos sistemas de saúde. Até o momento são mais de 20 milhões de casos confirmados em todo o planeta, com os Estados Unidos liderando o número de casos, seguido pelo Brasil. Os dois países também lideram os recordes nos números de mortos, que já somam mais de 750 mil no mundo todo. O primeiro caso confirmado no Brasil foi em 25 de fevereiro e após meses em estado crítico, com a curva de contaminação crescente, número de óbitos acima dos 1000 por dia e um Ministério da Saúde com dois ministros demitidos durante a pandemia e até hoje sem um titular na pasta, os especialistas apontam que o país atingiu seu platô, com número de casos e óbitos estabilizados. Até o momento não existe medicamento nem vacina capaz de prevenir, curar ou tratar a Covid-19, e o distanciamento social, uso de máscaras e higienização das mãos com água e sabão ou álcool gel continuam sendo as formas mais eficazes para reduzir a transmissão do vírus. Aparentemente, a julgar pelo comportamento da população na maioria das cidades, os brasileiros já consideram a vida de volta ao normal. Muitos estão cansados do isolamento, outros consideram-se invencíveis e outros nem acreditam que a doença realmente exista.


Interessante notar que em tempos de pandemia, o comportamento humano tende a se repetir. Talvez a mais famosa epidemia da história foi a peste negra, que entre 1347 e 1350 dizimou um terço da população europeia. Numa época em que as condições sanitárias na Europa eram totalmente precárias, a proliferação dos ratos era comum e os roedores portavam as pulgas que eram vetores da bactéria Yersinia pestis, agente causador da peste bubônica. O terror assolou as cidades europeias, muitas teorias da conspiração foram elaboradas, e a peste influenciou as artes e a cultura. Um excelente retrato do período é o romance “A Peste”, do laureado com o Nobel Albert Camus. No entanto, a última grande pandemia do século passado foi a gripe espanhola, que assolou o mundo inteiro e deixou mais de 600 milhões de infectados e 20 milhões de mortos no mundo todo. No Brasil, a doença chegou a bordo do navio Demerara, vindo de Dakar na África, onde atracou primeiro em Recife, depois Salvador e por último Rio de Janeiro. E foi na capital federal à época que a doença causou o seu maior estrago. De agosto a novembro de 1918 a doença contaminou milhares de pessoas e ceifou a vida de milhares de vítimas. As semelhanças da gripe espanhola no Brasil com o nosso cenário atualmente são muitas: negacionismo das autoridades de saúde, divulgação de dados estatísticos duvidosos, minimização da doença, medo coletivo, exacerbação da fé e apego a crendices populares não comprovadas cientificamente, sobretudo relacionadas a curas milagrosas ou improváveis a respeito do uso de plantas medicinais. Suco de limão, ovos, canja de galinha, decocto de camomila para lavar os intestinos, essência de canela e vapor de alfazema, água com sal e até sulfato de quinina eram amplamente utilizados, nenhum desses recursos com comprovação científica na época. Em 2020, desde o início da pandemia surgiram inúmeras fake news a respeito do uso de plantas medicinais e preparações caseiras para prevenir, curar e tratar a Covid-19, repassadas através das redes sociais. Muitas destas receitas, além de não ter o menor embasamento científico, apresentam riscos à saúde dos usuários. O PlantaCiência fez um levantamento de grande parte das fake news que foram propagadas nas redes sociais ao longo da pandemia em 2020:


  1. vitamina C e fatias de limão;

  2. água de alho recém-fervido; alho cru; alho cru + açafrão

  3. gargarejo de sal e vinagre;

  4. fumar maconha;

  5. café;

  6. alimentos alcalinos;

  7. limão e bicarbonato;

  8. vinho;

  9. chá de erva-doce;

  10. água tônica;

  11. chá de jambu, alho e limão + paracetamol;

  12. vapor de eucalipto;

  13. suco de maçã, inhame e água de coco;

  14. chá de artemísia;

  15. sumo de limão, laranja e mel;

  16. suco de limão com casca, laranja com casca e melão-de-São-Caetano;

  17. chá de boldo;

  18. chá de quina-quina.


Merecem especial atenção o boldo e a quina. Chá de casca da quina e água tônica voltaram a ser recomendados devido à presença de quinina, alcaloide quinolínico que possui atividade antimalárica. Muito provavelmente a associação se deu concomitantemente a divulgação de que os análogos sintéticos da quinina – a cloroquina e a hidroxicloroquina – foram considerados promissores no início da pandemia. No entanto, estes dois fármacos mostraram-se ineficazes e tóxicos, a ponto de a Organização Mundial da Saúde interromper os estudos clínicos. O boldo, por sua vez, é bastante problemático, porque este nome popular pode ser atribuído a pelo menos cinco espécies diferentes. O verdadeiro boldo é o boldo-do-Chile (Peumus boldus, Monimiaceae), espécie medicinal validada para problemas digestivos. Os outros boldos são chamados de “boldos falsos”, como as espécies Coleus forskohlii (Lamiaceae) (sin. Plectranthus barbatus) e Gymnanthemum amygdalinum (Asteraceae) (sin. Vernonia condensata), muito comuns nos quintais brasileiros, usados para as mesmas finalidades digestivas, porém com pouco estudos de eficácia e segurança. O boldo-do-Chile, para se ter uma ideia, possui potencial abortivo em animais, o que representa mais um alerta ao uso indiscriminado desta planta que as fake news estimulam.


É verdade que há plantas utilizadas há muito tempo para o tratamento de problemas respiratórios, como o eucalipto, equinácea, alho e cúrcuma, todas elas com evidências científicas para o tratamento e prevenção de sintomas de gripes e resfriados. No entanto, não há nenhuma comprovação de que possam tratar, curar ou prevenir a Covid-19. Até o momento temos a esperança de que uma vacina esteja disponível em breve. Algumas vacinas já estão em Fase III de estudos clínicos, ou seja, a última avaliação em seres humanos antes da imunização em massa. Mas ainda é preciso concluir os estudos, registrar o produto e organizar os programas de imunização dos países.

Mais de 7 bilhões de pessoas no mundo todo estão na fila de espera para receber a sua dose da vacina contra o novo coronavírus. Medicamentos para o tratamento da doença continuam sendo avaliados em estudos clínicos, como o remdesivir (inibidor de RNA polimerase), lopinavir/ritonavir + interferon beta-1a (inibidores de protease) e dexametasona. Algumas moléculas de origem natural já foram avaliadas via computacional in sílico, e sabe-se que quanto maior o número de hidroxilas fenólicas, maior a atividade inibitória contra o vírus: os flavonoides glicosilados mostraram-se candidatos promissores a futuros estudos. Evitar aglomerações e usar máscaras são ainda as únicas medidas protetivas. Se tiver dúvidas quando a veracidade de informações sobre plantas medicinais relacionadas a Covid-19 que você recebeu via rede social, antes de compartilhar procure verificar se o conteúdo é verdadeiro através de portais de checagem de notícias como o Fato ou Fake? do G1, UOL-Confere, Aos Fatos, Boatos,  ou o próprio portal do Ministério da Saúde, e ainda os canais do PlantaCiência.

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