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Ficus religiosa: árvore sagrada da Índia

Nina C. Barboza da Silva
04 de maio de 2023

Talvez você já tenha ouvido falar de “disparidade de consciência sobre as plantas”, expressão cunhada para substituir o termo “cegueira botânica”, e que teve sua origem como uma metáfora visual para a incapacidade que alguns alunos relatam quando não conseguem perceber as plantas em seu ambiente. A substituição de um termo por outro, proposta pela pesquisadora Kathryn M. Parsley em 2020, se faz necessária devido ao caráter capacitista associado ao termo cunhado em 1999, pelos pesquisadores Wandersee & Schusslere no trabalho intitulado “Preventing plant blindness” (“Evitando a cegueira botânica”).


Eu começo esta coluna trazendo esse conceito para exemplificar que, às vezes, essa distinção entre “ver” e “prestar atenção” – ou como gostava de dizer a Profa. Mara Zélia de Almeida, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), “ver com olhos de ver” – pode acontecer até mesmo entre quem trabalha e conhece as plantas, como eu. Vou compartilhar uma história curiosa com vocês: há alguns anos eu tomei conhecimento sobre as histórias relacionadas à “Árvore de Buda”

A “Árvore de Buda”, também chamada de árvore Bo, árvore Bodhi ou Figueira Sagrada, é a espécie Ficus religiosa L., pertencente à família botânica Moraceae, nativa da região do sudeste asiático, China, Índia, Himalaia e Sri Lanka. É uma árvore de grande porte, podendo chegar a medir mais de 30 metros de altura e cujo caule, geralmente de coloração cinza pálido, forma raízes aéreas que descem até o solo, enraizando-se e formando troncos secundários que, somados, podem medir até 3 metros de diâmetro. Entretanto, o que mais distingue a F. religiosa das demais figueiras do mesmo gênero são suas folhas ovais, quase em formato de coração, com ápice pontiagudo e longo, lustrosas, verde-escuras, de até 17 cm de comprimento.


Considerada uma das mais antigas e significativas árvores sagradas da história da humanidade, é reverenciada especialmente entre hindus, jainistas e budistas, como a Árvore da Vida, um símbolo da expansão sem fim do Universo. É comum encontrar exemplares da espécie em templos, mosteiros e locais de peregrinação em todo o subcontinente indiano.


Na filosofia budista, a árvore Bo é especialmente importante, pois foi debaixo dela que Siddhartha Gautama sentou-se para meditar por volta de 500 a.C., alcançando, assim, a iluminação (bodhi), tornando-se o primeiro Buda e fundador do Budismo. Desde então, a árvore Bodhi é vista como um símbolo da sabedoria e iluminação. A árvore “original” não existe mais, porém acredita-se que a F. religiosa existente no Templo Mahabodhi, em Bodh Gaya, leste da Índia, é originária direta dela, plantada em 250 a.C. O complexo do Templo Mahabodhi é considerado pela UNESCO Patrimônio Mundial e é o mais importante dos locais de peregrinação para os budistas.


O Jainismo é uma filosofia indiana cuja essência é a preocupação com o bem-estar e a saúde de todos os seres do universo e do próprio universo. Eles acreditam que todos os seres vivos, sejam animais ou plantas, assim como seres humanos, possuem uma alma de igual valor e por isso devem ser tratados com respeito e compaixão. Seus fundamentos e princípios foram intuídos e repassados para a humanidade por 24 sábios, chamados “Tirthankaras”, que teriam alcançado um despertar de consciência (Keval Gya) meditando sob uma árvore Bodhi.


Para os hindus, a árvore Bodhi também é conhecida como Peepal, Pipal, árvore do mundo e Ashwattha. É adorada desde o tempo da civilização do Vale do Indo, há cerca de 3000- 1700 a.C., na cidade de Mohenjodaro, sendo considerada sagrada por representar o Trimurti, ou seja, as três divindades principais do hinduísmo: Brahma, Vishnu e Shiva, responsáveis, respectivamente, pela criação, preservação e destruição do universo. Nas folhas da F. religiosa vive o Senhor Shiva; Vishnu no tronco e Brahma vive nas raízes. Acredita-se que sob uma árvore Peepal estes deuses tenham se reunido para discutir questões importantes acerca do universo. Algumas referências citam que há ainda a crença de que Vishnu tenha nascido sob essa árvore e ele e Lakshmi, deusa consorte associada a riqueza, prosperidade e beleza, vivam aos sábados nela e, por isso, os hindus consideram auspicioso regar suas raízes todos os sábados como uma forma de obter riqueza e abundância. Várias outras cerimônias religiosas hindus são realizadas sob a árvore Peepal, sendo ela considerada um ser realizado e que, portanto, ouve os anseios do povo e realiza os seus desejos.


Diferentes textos do Ayurveda citam as propriedades medicinais da F. religiosa, sendo utilizadas principalmente as folhas e a casca do caule no tratamento de diabetes, diarreia, problemas estomacais, artrite e doenças ginecológicas. Várias substâncias já foram identificadas na Peepal, tais como β-sitosterol-D-glicosídeo, kaempeferol, quercetina e miricetina, e a planta tem sido estudada por suas várias atividades farmacológicas, como antibacteriana, antifúngica, anticonvulsivante, imunomoduladora, antioxidante, hipoglicemiante, hipolipidêmica, anti-helmíntica e cicatrizante.


Talvez você esteja neste momento se perguntando por que eu comecei essa coluna falando sobre a nossa incapacidade de perceber as plantas que estão ao nosso redor. Desde que conheci as histórias relacionadas à F. religiosa passei a nutrir o desejo de “encontrá-la” pessoalmente. Então, em maio de 2022, estava visitando a Tumba de Humayun, em Nova Deli, quando finalmente fui “apresentada” à essa árvore com uma importância cultural e religiosa tão grande na Índia. Como quando conhecemos alguém tão esperado e importante, fiquei emocionada, abracei, tirei muitas fotos, guardei algumas folhas que estavam no chão e me despedi da árvore pensando sobre quando voltaria a vê-la. Ao regressar ao Brasil, poucos meses depois estava passeando pelos jardins do Museu da República, no Rio de Janeiro, quando me deparo com umas folhas quase em forma de coração e ápice pontiagudo no chão. Vou subindo o olhar e eis que encontro duas árvores Bodhi! Novamente: emoção, fotos, abraço. Uns dias mais, estou parada no trânsito numa rua no Leblon, olho pela janela do carro e.... uma alameda INTEIRA delas! Bem, daí em diante passei a encontrar essa amiga querida em vários lugares que eu costumo passar e que antes estavam invisíveis aos meus olhos!

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