Este site pertence a Leopoldo C. Baratto, fundador e coordenador do PlantaCiência. 2019. Like a Virgin: plantas da virgindade
top of page

Like a Virgin: plantas da virgindade

Leopoldo C. Baratto
02 de outubro de 2019

Like a virgin, touched for the very first time. Like a virgin, when your heart beats next to mine (...). Nos anos 80 Madonna foi uma das artistas mais importantes a clamar por igualdade entre gêneros e pela libertação sexual das mulheres. Mas isso nem sempre foi assim. Desde os primórdios da civilização até metade do século XX, a virgindade era coisa séria. Era o que se chamava de honra, moeda de troca para casamentos entre famílias tradicionais. A família inteira dependia disso, caso contrário o nome da família estaria na lama. Mas a paixão e o amor remontam a tempos imemoriais e muitas vezes se passavam os limites impostos pela época. Muitas vezes a história terminava em morte do desonrador ou o casal apressadinho se via obrigado a casar imediatamente.  Em outras, as plantas davam uma ajudinha para recuperar a honra perdida.


Frei Vellozo, padre cientista, primeiro naturalista brasileiro de fato a estudar as plantas úteis e medicinais do Brasil, descreveu uma espécie chamada apertaruao - Piper aduncum (Piperaceae) - que era “usada pelas mulheres para ter a sensação de virgem”. Imaginem um padre escrevendo isso em seu livro no século XVIII. Na América do Norte os nativos conheciam a Hamamelis virginiana (Hamamelidaceae), cujas folhas e cascas eram usadas em banhos vulvovaginais, tanto que o epíteto específico virginiana vem justamente dessa sua propriedade. No Brasil, em regiões de cerrado, as mulheres conheciam outra planta, o  barbatimão (Stryphnodendron adstringens, Fabaceae), usada para a mesma finalidade. Adstringens vem de adstringente, termo que é usado para substâncias que se complexam com proteínas das mucosas, pele, enzimas, receptores, etc. Em tupi guarani a planta era conhecida de ibatimó, “a árvore que aperta”. As histórias contam que a casca era dita “casca da mocidade ou da virgindade”, procurada por prostitutas e outras mulheres de má vida, que dela lançavam mão para preparar o banho com que lavavam os órgãos genitais, fazendo contrair-se os lábios vaginais. Bernardino Antônio Gomes em sua obra de 1812 diz que a casca do barbatimão “tem sido famosa no Brasil pelo uso familiar, que dela costumam fazer as prostituídas para reparar a relaxação dos órgãos genitais, que induz a devassidão, e para fingirem possuir o que os seus primeiros desacertos lhes fez perder para sempre”. As cascas da planta amazônica Casearia decandra (Salicaceae) – quina-do-Pará – também eram usadas em banhos vulvovaginais. No século XIX descreveu-se que o suco das raízes e dos órgãos foliáceos de Chrysobalanus icaco (Chrysobalanaceae) – guajuru - era empregada, como grande adstringente, “para fins menos decentes, ora especulando-se com a pseudo virgindade de criaturas infelizes, ora oferecendo-as em casamento como mulheres virgens aos homens de boa fé, desprevenidos contra este artifício”. As propriedades adstringentes das folhas e sumidades floridas de Alchemilla vulgaris (Rosaceae) já eram sabidas por Dioscórides, traduzido por André de Laguna no século XVI: “Seu cozimento, ministrado em forma de fomentação ou banho, fecha e aperta de tal maneira as partes baixas que, confiante nos resultados, alguém pode vender mil vezes como virgens aquelas que mais desejam parecer do que ser de fato donzelas. Aplicando o mesmo cozimento também nos seios, constringe-os e restaura-os de tal maneira que, embora fossem caídos como bolsas de couro, ficam durinhos como maçãs. Por isso, as moças que perderem o que jamais acharão, pedem a ajuda dessa bendita planta, que a Natureza não produziu à toa”. Bistorta, Bistorta officinalis (Polygonaceae); cascas do tronco de nogueira, Juglans regia (Juglandaceae); folhas de siriúba, Avicennia germinans (Acanthaceae); e faxina-vermelha, Dodonaea viscosa (Sapindaceae), eram usadas na forma de banhos para recuperar a virgindade. As folhas de mururi ou murta-de-parida, Mouriri guianensis (Melastomataceae), árvore nativa do Brasil, eram usadas após o parto das índias, para contrair a dilatação vulvovaginal. As odaliscas no oriente usavam Salvia horminum (Lamiaceae) para perfumar seus banhos e aproveitavam-se das propriedades adstringentes. As folhas e ramos do sumagre, Rhus coriaria (Anacardiaceae), faziam parte da composição da pomada da Condessa ou pomada virginal, usada no século XIX para comprimir os esfíncteres que se encontravam muito dilatados.


Estas plantas que mencionei são ricas em taninos, substâncias fenólicas que se complexam com as proteínas da mucosa vaginal, promovendo uma forte contração da musculatura, dando uma sensação de virgindade novamente. As mulheres usavam estas plantas na forma de banhos de assento; ou seja, preparava-se um chá por decocto e banhava-se a região vaginal por algum tempo. Na internet é possível encontrar alguns websites que vendem produtos com algumas  destas plantas para tal finalidade, como o Virgin Again. As propriedades adstringentes dos taninos podem ser exploradas também em cosméticos, já que essas substâncias fecham os poros e diminuem a oleosidade da pele facial. Existem muitos cosméticos, como loções faciais e pós-barba, a base de hamamelis, por exemplo.


Felizmente os tempos mudaram! Ler as descrições dos usos destas plantas em séculos passados é um retrato de uma sociedade extremamente machista, onde as mulheres eram descritas através de termos como "menos decentes", "impuras", "perdidas", enquanto aos homens a liberdade sexual era algo considerado inato. O empoderamento feminino, a libertação das amarras do patriarcado e do machismo, o domínio sobre seus próprios corpos e as liberdades de escolha das mulheres são conquistas após séculos de repressão.

Colunas - Slideshow
bottom of page