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O país das especiarias

Nina C. Barboza da Silva
25 de junho de 2020

Muitos pensamentos vêm à nossa cabeça quando falamos da Índia, desde a relação do povo com o sagrado até questões socioeconômicas. Mas com certeza um aspecto que inegavelmente nos remete a este país de muitas particularidades são as especiarias. Cravo, canela, cardamomo, cominho, mostarda, gengibre, cúrcuma, pimenta-preta e outras tantas mais que são utilizadas não apenas na comida, mas também como remédio.  Até porque, no Ayurveda, saúde começa justamente com o que você come. Podemos dizer que as terapias ayurvédicas iniciam sempre com uma adequação da alimentação à sua constituição e condição atual, havendo especiarias recomendadas e outras que devem ser evitadas.


Antes de colocar meu nariz, ou melhor, meus pés, na Índia, eu tentava imaginar qual seria o cheiro das cidades lá. Eu particularmente tenho uma memória olfativa/gustativa com os lugares: dendê me lembra sempre a Bahia, Minas tem cheiro de torresmo, e por aí vai. Minha porta de entrada na Índia foi Nova Delhi, atual capital do país, uma das cidades mais populosas do mundo (segundo dados do governo indiano, a população estimada em 2019 era cerca de 30 milhões de pessoas) e onde encontramos o “Delhi Khari Baoli”, considerado o maior mercado de especiarias da Ásia (algumas fontes dizem ser o maior do mundo!). Situado perto do Forte Vermelho, na região conhecida atualmente como Velha Delhi, o mercado foi construído na metade do século XVII junto a um dos 14 portões que havia na fortificação que circundava a cidade à época. Hoje, no entanto, não há vestígios do portão e o mercado se estende por uma rua com muitas lojas e bancas, vendendo todo tipo de especiarias e gêneros alimentícios. Ali senti pela primeira vez o cheiro que iria encontrar pelos outros lugares que passei e este era o cheiro das especiarias, presentes nas diversas comidas vendidas nas ruas, nas bancas das lojas, nos incensos que queimam nos templos. Percorrendo o mercado, encontrei, além das já conhecidas canela, cravo, cominho e noz-moscada, especiarias pouco comuns para nós, como a semente do coentro, a pimenta longa (Piper longa) e o macis  - arilo (tecido carnoso) que recobre a semente da noz-moscada e que possui odor e sabor não muito diferentes desta, porém mais sutil e delicado, lembrando a canela e a pimenta-preta. Descobri também especiarias que nunca havia ouvido falar, como o cardamomo negro (Amomum subulatum Roxb.) que, assim como o cardamomo verde (Elettaria cardamomum (L.) Maton), pertence à família Zingiberaceae, porém tem um aroma defumado que,  segundo o vendedor, complementa a canela e o anis-estrelado.


No mercado Khari Baoli muitas mulheres vão comprar os ingredientes para produzir as masalas, palavra usada para designar de forma genérica uma mistura de especiarias e ervas que, trituradas, são utilizadas na culinária. Como me disse uma amiga de Mumbai,  Chitra Vidyadhar Acharya, cada família tem sua própria receita de masala com uma combinação de especiarias que é única. “Nós, indianos, temos o legado de produzir essas misturas caseiras de especiarias. É uma combinação específica e esse conhecimento é passado de geração em geração”, disse ela. Ainda segundo Chitra, no verão na Índia, principalmente no estado do Maharashtra, onde está a cidade de Mumbai, as mulheres se ocupam em decidir quais especiarias vão usar para compor a masala que será produzida e armazenada para o consumo familiar durante o próximo ano.


Vocês talvez estejam pensando: essa mistura de especiarias é o que chamamos de curry! Bem, se você estiver no sul da Índia e pedir para lhe mostrarem curry, muito provavelmente lhe trarão umas folhas da espécie Murraya koenigii (L.) Spreng. Quase tudo que comi em Coimbatore tinha essas folhinhas. Elas até podem fazer parte das masalas, porém o que é chamado no ocidente de “curry em pó” é uma invenção da época da ocupação inglesa para denominar, geralmente, as masalas mais picantes. Definitivamente, não representam a enorme diversidade de receitas encontradas de norte a sul na Índia e que, através dos sabores e aromas, permitem nossa imaginação atravessar oceanos e nos levar de volta ao país das especiarias.

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