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O perfume da flor do Jasmim

Nina C. Barboza da Silva
07 de abril de 2021

Que a Índia é o país das especiarias todos sabem. Associar a cultura indiana a uma gama de cores, presentes nos sarees, nas kurdas ou nos trajes de homens santos que são vistos pelas ruas de qualquer cidade, também não é novidade. Mas vocês já pararam para observar o colorido que vem das flores? Elas estão por toda parte: nas ruas, nas casas, nos templos, sejam eles hindus, siques, janaístas ou católicos, ao redor do pescoço ou nos cabelos das mulheres. As flores são usadas em diferentes religiões e regiões da Índia, com vários propósitos.


Quando eu desembarquei no aeroporto de Nova Delhi fui recebida com uma tradicional guirlanda de flores brancas, alaranjadas e vermelhas. As guirlandas estão profundamente enraizadas na cultura indiana. Geralmente são produzidas por mulheres, que costuram rosas vermelhas, cravos, lírios-aranha, jasmins-manga, jasmim e, por vezes, algumas folhas, formando um cordão que é oferecido em homenagem aos deuses ou mesmo como símbolo de respeito a um convidado. São um meio para expressar pureza, honra, boa vontade, amor e beleza. Tentei, sem sucesso, conservar a guirlanda que ganhei na esperança de trazê-la comigo para o Brasil. Foi quando descobri que a natureza efêmera de uma guirlanda é um símbolo da fragilidade dos sentimentos humanos.


Outra forma que os cachos de flores podem assumir chama-se gajra, quando as mulheres passam a usá-los nos cabelos. Usar flores no cabelo é um símbolo auspicioso nas tradições hindus: diz-se que, assim como uma planta que cresce no solo sujo converte em alimento tudo o que permanece disponível, sem se importar com a sujeira presente no solo, produzindo flores coloridas e fragrância agradável, nós seres humanos, independentemente das adversidades que sofremos e qualquer que seja a atmosfera em que vivemos, devemos tirar o melhor proveito disso e, assim como as flores, emitir  a mais bela fragrância de nossos corações com um rosto sorridente. Os gajras contêm ou são feitos exclusivamente de botões de jasmim, aquela que é considerada a mais bela e perfumada flor de toda a Índia. Ah, o cheiro da flor de jasmim... fecho os olhos e parece que posso senti-lo e assim sou levada pela lembrança para diferentes momentos da minha viagem.


Uma destas lembranças me remete ao dia em que fui visitar um local na cidade de Jaipur, que estava sendo preparado para um casamento tradicional hindu. Quem já viu algum filme de Bollywood sabe do que estou falando: muita música, dança, cores e flores!!! Havia tantas flores diferentes, mas quem reinava, majestoso, era o jasmim! Cordões feitos de botões de diferentes tamanhos de jasmim pendiam do teto cobrindo como cortinas os arcos das varandas do prédio, perfumando o lugar de modo inebriante. Neste dia aprendi que o jasmim é a flor preferida nos casamentos, pois com sua fragrância doce simboliza boa sorte, prosperidade e sucesso futuro aos recém-casados. É dito também que ele acalma, reduz a ansiedade e que aumentam a energia e o poder de atração entre as pessoas.


Meu destino e razão principal da minha viagem seriam o curso de Ayurveda que cursaria em Coimbatore, no estado do Tamil Nadu, no Sul da Índia onde esta tradição do uso do jasmim é mais presente. Lá se concentra a principal produção do famoso Jasmim sambac (Jasminum sambac (L.) Aiton). Apesar de não ser o mais usado na perfumaria (as espécies Jasminum officinale L. e J. grandiflorum L. são as principais), nem ser a única espécie existente na região, este jasmim é muito valorizado, pois suas flores são muito mais cheirosas do que os outros tipos, com flores que permanecem frescas por mais tempo e que resultam num absoluto com notas diferenciadas devido à composição de voláteis única. O jasmim sambac do Tamil Nadu recebeu em 2013 o registro de Indicação Geográfica (IG) pelo governo indiano, classificação que confere ao produto valor intrínseco e identidade própria, protegendo-o por lei e estabelecendo sua qualidade.


Em um dos fins de tarde de folga que tivemos do curso, fomos ao centro da cidade e, por ser véspera de uma festa muito tradicional na região, havia muitas dessas bancas nas ruas de Coimbatore, onde as mulheres produziam e vendiam os cachos de jasmim, e também de rosas e cravos, perfumando e encantando quem passava, mais ainda estrangeiros como eu. Parei em uma delas encantada e inebriada pelo aroma. Já sabendo que não podia tocar nas flores, pois elas seriam ofertadas em cerimônias aos deuses hindus, abaixei e cheirei uma pilha de jasmim. Nesta hora as mulheres me olharam arregalando os olhos e começaram a falar algo em tâmil (principal língua falada lá) e eu, sem entender nada, apenas me dei conta de que havia feito algo errado! Com ajuda de outra pessoa que estava comprando flores e falava inglês, descobri que além de não poder tocar não se pode cheirar as flores, a menos que elas sejam suas. Será que o aroma do Jasmim me encantou fazendo com que por desconhecimento, mesmo após anos de prática de campo em etnobotânica, eu acabasse por desrespeitar uma tradição local? Pedindo mil desculpas, nem me lembro mais em que língua, mas provavelmente através de gestos, comprei os cordões de jasmim das senhoras, já que após cheirá-los eles obrigatoriamente passaram a servir apenas como uma oferta minha aos deuses. Naquela noite, dormi com o cordão de flores pendurado à cabeceira da minha cama, sentindo o doce perfume das flores de jasmim acalmando meus pensamentos.

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