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Oficinas de Plantas Medicinais no SUS em São Bento do Sul-SC: Educação em Saúde e o retorno da informação à comunidade

Ana Carla Prade
14 de julho de 2021

Quando iniciei minhas atividades à frente do programa de fitoterapia de São Bento do Sul, em Santa Catarina, uma das minhas maiores angústias era como levar as informações do que estávamos fazendo até a população. Em 2017, após quatro meses de levantamento etnobotânico e etnofarmacológico, muitas informações pipocavam nos relatos dos entrevistados sobre o uso de plantas medicinais (aqui no PlantaCiência já escrevi sobre o nosso levantamento etnobotânico). Conforme Patzlaff e Peixoto (2009), o retorno do conhecimento adquirido nas comunidades, quando realizamos este tipo de pesquisa, é fundamental. As pesquisas etnobotânicas promovem a conservação e o desenvolvimento dos recursos naturais e a valorização do conhecimento tradicional, além de devolutivas derivadas da própria investigação, como, por exemplo, a formação de hortas medicinais, grupos de educação em saúde, cartilhas, entre outras. Eu, que não sou acadêmica e sim uma profissional da linha de frente, de certa forma me sentia uma “apropriadora” de saberes e a necessidade de retribuir esta contribuição tirava meu sono.


A Educação em Saúde faz parte das práticas desenvolvidas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Possui característica transversal e proporciona a articulação entre todos os níveis de gestão do sistema, além de representar um dispositivo essencial tanto para a formulação da política de saúde de forma compartilhada, como para as ações que acontecem na relação direta dos serviços com os usuários. Assim, as práticas de Educação em Saúde devem ser valorizadas e qualificadas a fim de que contribuam cada vez mais para a inclusão social, não somente por promover a apropriação do significado de saúde como direito básico por parte da população, como também pela promoção da cidadania (BRASILIA, 2007). Segundo Souza e colaboradores “na promoção da saúde, o trabalho em grupo possibilita a quebra da relação vertical, que, tradicionalmente, existe entre o profissional da saúde e o sujeito de sua ação, sendo considerada uma estratégia facilitadora da expressão das necessidades, expectativas, angústias e circunstâncias da vida que têm algum impacto na saúde de indivíduos e de grupos”. As Unidades de Saúde, sejam Estratégias de Saúde da Família ou Unidades Básicas, são estimuladas a fazerem grupos de educação e promoção em saúde, como grupos de pacientes crônicos ou grupos de vivência e convivência, com foco em autonomia em saúde e envolvimento social. Conforme citado na publicação do Ministério da Saúde, 1º caderno de Atenção Básica, a formação de grupos com usuários das unidades de saúde faz parte dos processos educativos voltados à recuperação da autoestima, troca de experiências, apoio mútuo e melhoria do autocuidado (BRASILIA, 2000). Desta forma, e nesta direção, organizei através do encontro e articulações de grupos o retorno do nosso levantamento sobre plantas medicinais à comunidade. E assim, em setembro de 2017, numa unidade do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), no bairro Centenário, iniciaram-se as Oficinas de Plantas Medicinais.


Quando recolhi aqueles mais de mil questionários sobre uso de plantas medicinais em nossa comunidade verifiquei algumas confusões no modo de preparo de infusões e decocções, na identificação de espécies e na fonte das informações. O uso tradicional endossado por familiares mais antigos, como os avós, ou por mestres da sabedoria popular em plantas medicinais foi reportado, mas em número significativamente menor do que as consultas à internet. Estas constatações foram motivo do alarme inicial e a única forma que visualizei para tentar sanar esta situação era levando informação para as comunidades usando a estrutura nas Unidades de Saúde, associações de moradores e CRAS.


Meu primeiro contato para iniciar este trabalho era com a enfermeira da unidade de saúde. Comecei muito tímida, com uma unidade em um bairro mais rural. A resposta e participação da comunidade foi simplesmente um sucesso e em pouco tempo já estava com a agenda lotada de Oficinas. Estruturei cada encontro com aulas e vivências de plantas medicinais para os diferentes sistemas do corpo humano: sistema digestivo, respiratório, urinário, sistema nervoso, pele e anexos (sistema tegumentar). Fizemos xaropes caseiros, oficinas de inalação de vapores de plantas aromáticas, pomadas caseiras, géis. Além das oficinas para cada sistema, trabalhei também com plantas medicinais na saúde da mulher, oficina de sementeiras caseiras, oficina de mudas e estaquias e caminhadas educativas. Em conjunto com o trabalho nas ESFs e UBSs, fui parar em associação de moradores, igrejas e associação da terceira idade aqui do município. Rico? Não, milionário.


De certa forma acredito que durante este ano e meio de oficinas retribuí com carinho e atenção toda informação valiosa que a comunidade de São Bento do Sul ofereceu para a construção do Farmácia Viva. Muitas dúvidas foram sanadas, conhecimentos compartilhados e a escuta horizontal foi amplamente utilizada, respeitando cada saber, cada relato, cada indivíduo. A educação popular em saúde é uma das melhores formas de aproximar a comunidade da ciência, do conceito de autocuidado, do nosso SUS e de valorizar seus conhecimentos intrínsecos, através da sistematização (sempre com muita humanização) da informação.

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