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Os derivados antracênicos e sua propriedade laxante

Leopoldo C. Baratto
27 de maio de 2021

Os derivados antracênicos são conhecidos na Farmacognosia principalmente pelas suas propriedades laxantes. Estes metabólitos secundários com propriedades laxativas são encontrados em fontes vegetais e incluem principalmente as antronas, antraquinonas e diantronas. Essas moléculas se caracterizam pela presença de grupos cetônicos nos C-9 e C-10 (as formas menos oxidadas, como as antronas, possuem carbonila apenas na posição C-9), bem como grupos hidroxila em C-1 e C-8 (essenciais para o efeito laxante). A maioria destas moléculas é encontrada na forma glicosilada, ou seja, contendo resíduos de açúcar ligados à estrutura, sendo os glicosídeos a forma principal de transporte (por serem mais solúveis em água) e de maior potência farmacológica. As formas menos oxidadas, como as antronas, são mais potentes do ponto de vista laxante.


Os derivados antracênicos atuam diretamente no intestino grosso, através da irritação da parede intestinal, aumentando os movimentos peristálticos e também reduzem a reabsorção de água e estimulam secreção de muco, fluidificando as fezes. Ao chegarem no local de ação, os glicosídeos de antronas têm a porção açúcar clivada pelas bactérias da flora intestinal, liberando a antrona livre para exercer o efeito laxante. Já as antraquinonas glicosiladas passam por um processo um pouco mais longo: primeiro a porção açúcar é clivada pelas bactérias e em seguida a antraquinona livre é reduzida a uma antrona. As diantronas, por sua vez, como os senosídeos presentes no sene, podem ser clivadas em duas unidades de antronas glicosiladas e posteriormente sofrem hidrólise do açúcar, ou primeiro as diantronas perdem os açúcares por hidrólise e em seguida a diantrona livre é clivada em duas antronas; por este motivo o efeito do sene é mais demorado, em torno de 8 a 12 h.


As principais plantas usadas para finalidade laxante são os folíolos do sene (Senna alexandrina, Fabaceae), ricos em senosídeos (diantronas); raízes e rizomas de ruibarbo (Rheum spp., Polygonaceae), que contêm reína (antraquinona livre); e cascas do caule de cáscara-sagrada (Frangula purshiana, Rhamnaceae) e de amieiro-negro (Frangula alnus, Rhamnaceae), contendo os cascarosídeos (antronas glicosiladas) e as frangulinas (antraquinonas glicosiladas), respectivamente. Recomenda-se que estas plantas não sejam utilizadas frescas, logo após a coleta, devido ao alto teor de antronas; é necessário que as drogas vegetais passem por um processo de oxidação, que pode ser natural, ao longo de um ano de armazenamento, ou induzido por alta temperatura, e desta forma evita-se os efeitos colaterais drásticos, como náusea e vômitos. A babosa (Aloe spp., Asphodelaceae), também produz derivados antracênicos no látex amarelado que escorre de suas folhas, como as aloínas, com propriedades laxantes. No entanto, o uso oral da babosa não é permitido, devido a sua ação purgativa muito forte, recomendando-se apenas o uso tópico da mucilagem (gel transparente da folha, sem a casca), para fins de cicatrização de feridas e queimaduras.


Apesar de natural, o uso de plantas contendo derivados antracênicos com finalidade laxante não deve ser usado de forma indiscriminada. Lembre-se: o que é natural também pode fazer mal! Portanto, o uso abusivo destes laxantes (assim como de outros, incluindo os sintéticos, como o bisacodil) pode causar diversos efeitos colaterais, sobretudo intestino preguiçoso, que é quando o intestino só irá trabalhar a base de laxantes. Nosso intestino grosso não é completamente esvaziado quando vamos ao banheiro, mas sim apenas a porção terminal (1/3). Quando ocorre a formação de mais bolo fecal, este “empurra” as fezes que estavam nas porções inicial e média do intestino grosso, e assim sentimos vontade de ir novamente ao banheiro. Quando tomamos laxantes, todo o conteúdo intestinal é esvaziado, portanto o tempo necessário para preenchê-lo novamente será maior e podemos erroneamente interpretar como constipação, tomando mais laxantes e criando um círculo vicioso. Além do mais, o uso abusivo de laxantes antracênicos pode causar perda de potássio, causando hipopotassemia, que leva à sintomas como fraqueza muscular e redução do tônus intestinal, podendo levar à atonia, prolapsos retais e fissuras anais, lesões na mucosa intestinal, até mesmo carcinomas colorretais e ainda uma condição chamada melanose coli, que é quando o intestino fica com coloração escura, quadro que é reversível com a interrupção do uso.


Estas plantas com propriedades laxantes não devem ser utilizadas sem a orientação de um profissional da saúde, nem por tempo prolongado. Pacientes que fazem uso de fármacos depletores de potássio, como digitálicos, glicocorticoides e diuréticos, devem evitar o uso simultâneo, já que os derivados antracênicos eliminam potássio do organismo e podem potencializar a ação desses fármacos, causando efeitos adversos e toxicidade. Pessoas com obstrução intestinal ou outros problemas de intestino relacionados devem evitar o uso para não sobrecarregar o órgão. Também não se recomenda o uso em grávidas, por falta de evidências de segurança, ou em crianças em fase de amamentação, já que estas moléculas atravessam o leito materno e podem causar diarreia.


Em caso de dúvidas, procure sempre um farmacêutico, um médico ou outro profissional da saúde habilitado a prescrever fitoterápicos. As plantas medicinais são nossas aliadas nas práticas de saúde, porém devem ser usadas de forma racional e sempre baseadas em evidências de segurança e eficácia.

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