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Protocolo de retirada dos inibidores da bomba de prótons com a espinheira-santa: pequenos passos que abrem caminhos enormes

Ana Carla Prade
21 de novembro de 2023

Dona Maria foi encaminhada pela médica da unidade de saúde do seu bairro depois que a doutora ouviu falar de um “tal de Farmácia Viva” no município. Sentada na minha frente com a carteirinha do SUS na mão, dona Maria fez seu relato de queixas de saúde e à medida que ela falava, eu conferia seu histórico no PEC (Prontuário Eletrônico do Cidadão). De fato dona Maria manifestava a mesma queixa há bastante tempo: azia, queimação, histórico de infecção por Helicobacter pylori por duas vezes consecutivas e várias tentativas de uso de inibidores da bomba de prótons (omeprazol): “todo mundo fala que o omeprazol tira com a mão, mas pra mim nunca foi assim, doutora, eu não me dou bem com este remédio e sinto azia sem ele… e agora?”. No encaminhamento a médica solicitava alternativas naturais de tratamento de sintomas dispépticos e a possibilidade de substituir o medicamento. Interessante, não?


Seu João chega à consulta de fitoterapia no Centro Municipal de Práticas Integrativas esperançoso, foi encaminhado pela médica da unidade de saúde. “Doutora, lá no postinho disseram que a senhora tira o omeprazol do povo com a espinheira-santa”. Expliquei ao seu João que só pode retirar um medicamento o profissional de saúde responsável pela prescrição e que sim, alguns médicos e enfermeiros estavam solicitando a espinheira-santa para tratar problemas no estômago. Ele estava feliz porque era um tratamento utilizado pelos seus antepassados: “meu vô aprendeu com os índigenas do Paraná”. No seu histórico constava o uso do medicamento há cinco anos. A médica do posto solicitou a minha avaliação para substituir o omeprazol pela espinheira-santa.


Mas vamos contextualizar quem é esta planta: espinheira-santa é o nome popular atribuído à espécie Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek. É uma planta arbórea, da família Celastraceae, encontrada predominantemente na região sul do Brasil. Apresenta na sua complexa composição química diversos metabólitos secundários: alcaloides (maitansina, maitanprina, maitanbutina e cafeína); terpenos (maitenina, tingenona, isotenginona III, congorosina A e B, pristimerina, celastrol, ácido maitenoico, friedelina, friedelan-3-ol, maitenoquinona, β e δ-amirina), fitoesteróis (campesterol, ergosterol, β-sitosterol); flavonoides (derivados da quercetina e kaempferol, leucoantocianidinas, ilicifolinosídeos A, B e C); ácido clorogênico; taninos hidrolisáveis (ácido tânico), entre outros vários componentes. É uma espécie utilizada tradicionalmente como cicatrizante de feridas internas e externas, entre outras aplicações, e foi eleita a planta medicinal símbolo de Santa Catarina. Consta na RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) e no Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira 2ª edição (2021) e é cultivada em nosso município em uma área produtora de água que faz parte do Programa de Pagamento por Serviços Ambientais, onde aproximadamente mil espécimes foram plantados em áreas de mata ciliar.


Agora vamos contextualizar o medicamento: o omeprazol (e seus correlatos) é um medicamento da família dos inibidores da bomba de prótons. Costuma ser prescrito para “proteção” da mucosa estomacal para pessoas que utilizam polifarmácia (uso concomitante de vários medicamentos), para pessoas que estão em tratamento com anti-inflamatórios não esteroidais e com infecção pela bactéria Helicobacter pylori. O uso deste medicamento deve ser por tempo determinado, uma vez que ele inibe a produção de ácido pelo estômago (a função primordial deste órgão depende diretamente desta produção). O seu uso contínuo está ligado a alguns efeitos indesejados como deficiência de vitaminas e minerais, aumento do risco de diarreia por infecção por Clostridium difficile, nefrite intersticial e desenvolvimento de pólipos.


Voltando aos nossos casos: a partir dessas e de outras solicitações que seguiram, iniciei um estudo de esquemas de retirada de medicamentos psicotrópicos e fiz algumas adaptações para a aplicação da espinheira-santa em um esquema de retirada do medicamento. Sabemos que os pacientes que usam inibidores da bomba de prótons por muito tempo apresentam dificuldade em retirar o medicamento, e acabam fazendo uma produção “rebote” de ácido no estômago e provocando o retorno dos sintomas. Desta forma montei um esquema de retirada do medicamento com a inclusão diária do decocto das folhas da Maytenus ilicifolia, que mais tarde seria denominado “Protocolo de Retirada Gradual dos Inibidores da Bomba de Prótons com a Maytenus ilicifolia”. Neste protocolo, a partir da segunda semana de uso do decocto, ocorre a retirada gradual do omeprazol, sendo totalmente retirado ao final da quarta semana. Após este período o paciente retorna à consulta para avaliação dos resultados e a partir destes relatos decidimos sobre a continuidade do tratamento. É claro que, como todo protocolo clínico, há as questões que incluem ou excluem os pacientes, bem como um fluxograma de enquadramento para que o profissional que irá empregá-lo possa se orientar.


Os dois casos relatados no início do texto são verídicos e os nomes dos pacientes foram modificados. Como estes, vários pacientes foram beneficiados com o uso do protocolo da retirada dos inibidores de prótons com a espinheira-santa e hoje este protocolo é uma realidade em São Bento do Sul-SC, aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde e publicado em diário oficial. A passos de formiguinha vamos trazendo benefícios enormes com a fitoterapia!

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