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Uma crônica fitoterápica nos tempos do coronavírus: Considerações sobre os efeitos da equinácea e da cúrcuma no sistema imunológico

Leopoldo C. Baratto
24 de abril de 2020

2020 será um ano que ficará marcado em nossas vidas para sempre. Piscamos os olhos em 31 de dezembro e, já alguns segundos depois, os fogos de artifício explodiam na noite escura, trazendo a esperança de um ano novo mais feliz! “Paz, Amor, Saúde, Sucesso, Prosperidade, Dinheiro!”, brindei também. “Mas no Brasil o ano só começa depois do Carnaval!”, me disseram. O Carnaval passou, purpurina na pele e confetes ao chão, escolas de samba, “Mangueira, teu samba é uma reza!”, Viradouro ganhou, mas o ano não começou. Ainda em 2019 um vírus surgiu na China, na cidade de Wuhan, e começou a produzir uma síndrome respiratória aguda. “Isso que dá comer cobra e morcego!”, pensaram. Logo em seguida, o vírus chegou à Europa, na Itália, depois foi para o Irã, para a América, todos os continentes. O número de casos disparou, a capacidade dos sistemas de saúde colapsou e as mortes tornaram-se números inimagináveis. A Organização Mundial da Saúde, por fim, declarou que o coronavírus, aquele inofensivo vírus chinês, tornara-se uma pandemia. Quem imaginaria que viveríamos isso em pleno século XXI? Eu não imaginei. Estamos dentro da História neste momento. Entramos em confinamento, como a quarentena dos tempos da gripe espanhola, da cólera. Nos isolamos em nossas casas, nos recolhemos em nossos cantos, e tivemos tempo para conhecer melhor aqueles que deixávamos em segundo plano, vejam só, nós mesmos. Passamos a ter tempo para refletir sobre o que é essencial em nossas vidas. As pessoas aprenderam a se conectar e conversar através das telas que antes apenas deslizavam dedos e curtiam com coraçõezinhos as fotos de felicidades forjadas por detrás daqueles filtros que branqueiam sorrisos e escondem as marcas do tempo. Muitos entraram em pânico, correram às farmácias e supermercados em busca de álcool gel e máscaras. Outros negaram (e negam ainda) o que diz a CIÊNCIA, tratando a pandemia como uma gripezinha qualquer. Teve gente que saiu às ruas “lutando” pelo direito dos trabalhadores de voltar à ativa, a maioria empresários, tão preocupados dentro de seus carros literalmente “blindados” contra o vírus, enquanto o povão se apinhava nas ruas protestando e expelindo perdigotos; e teve ainda as empresárias – tão solidárias – em robes de seda rosa clamando os direitos dos mais necessitados, sugerindo aos que querem se manter isolados uma fita vermelha em seus braços (a nova estrela de Davi?). E aí surgiram as fakes news de tudo quanto é tipo, prometendo inclusive curas milagrosas: água tônica, quinina, limão, vinagre, chás, garrafadas, alimentos e ervas que combatem o coronavírus. É preciso deixar claro que até este momento, dia 24 de abril de 2020, NÃO existe NENHUM fármaco, NENHUMA vacina, NENHUMA planta, NENHUM alimento, NADA, absolutamente NADA, com comprovação científica para tratar a COVID-19. O que existe são os esforços de cientistas do mundo inteiro na busca por um tratamento eficaz e seguro, pesquisando fármacos e produção de vacinas, tratamentos estes que talvez levarão muito tempo para serem desenvolvidos, questão de alguns anos até (esperamos que aconteça antes!). Vejamos o caso do ebola, que desde 1976 provoca surtos na África, em 2014 assolou vários países africanos e em 2019 tirou a vida de milhares de pessoas na República Democrática do Congo; apenas em 2019 foi aprovada a primeira vacina. Vejamos também o caso do HIV, vírus que surgiu na década de 80 e provocou a epidemia da AIDS, condenando naquela época os portadores do vírus à morte; atualmente os coquetéis antirretrovirais tornam a vida dos pacientes com HIV normal, reduzindo a carga viral para níveis indetectáveis, mas já se passaram mais de 30 anos e não existe vacina nem cura.


Portanto, no caso do coronavírus, a melhor forma de se prevenir ainda é a higienização das mãos e dos objetos, o uso de máscaras e o distanciamento social. Nas redes sociais me deparo diariamente com lives e vídeos de especialistas e não-especialistas falando sobre o uso de plantas medicinais para aumentar a imunidade. Repito: não existe planta que previna ou cure a COVID-19! Mas sim, existem plantas medicinais que possuem substâncias capazes de estimular as defesas do nosso sistema imunológico e nos proteger contra infecções respiratórias de baixa gravidade, como gripes e resfriados. Essas plantas nós chamamos de imunoestimulantes, pois são capazes de interferir em processos inflamatórios e oxidativos, estimulando as nossas células de defesa como monócitos, linfócitos, macrófagos e neutrófilos. Além do mais, existe uma outra categoria de plantas que possuem propriedades adaptogênicas, aquelas que aumentam a imunidade não específica, tema que será abordado numa próxima coluna.


Uma das plantas mais conhecidas pelas suas propriedades imunoestimulantes é a equinácea (Echinaceae spp., Asteraceae), uma espécie de origem norte americana, cuja planta inteira é usada como medicinal (raízes, rizomas, inflorescências, folhas e caules). As principais espécies são E. purpurea, E. angustifolia e E. pallida, as quais já eram utilizadas pelos indígenas nativos da América do Norte para tratar problemas respiratórios. A planta pode ser utilizada tanto para o tratamento de doenças infecciosas respiratórias comuns, assim como na prevenção destas infecções. Estudos clínicos apontam que extratos padronizados das raízes e rizomas de equinácea são eficazes em reduzir os sintomas de gripes e resfriados, e ainda reduzir de 10 a 20% a frequência e recorrências destas infecções. Os princípios ativos da equinácea são as alquilamidas* (isobutilamidas dos ácidos dodeca-2E,4E,8Z,10Z-tetraenoico e dodeca-2E,4E-dienoico), os compostos polifenólicos (ácido chicórico), e polissacarídeos. As alquilamidas atuam sobre o sistema endocanabinoide nos receptores CB2 de macrófagos e promovem aumento de fagocitose e produção de citocinas como TNF-alfa, IL-1, IFN-beta. O fitocomplexo ainda estimula o aumento da mobilidade dos leucócitos e a ativação das células NK (natural killers). Os polissacarídeos, como a arabinogalactana, são bastante parecidos com os LPS (lipopolissacarídeos) das membranas das bactérias, estimulando os macrófagos a fagocitarem os patógenos. A dosagem também não está bem estabelecida, embora o usual seja 500 mg a 1,0 g por dia de extrato; doses mais elevadas não apresentaram efeitos adversos. Embora os estudos sejam inconclusivos, o uso por longo prazo (mais de 6 meses) não aparenta ter efeitos tóxicos, porém não é recomendado ultrapassar 8 semanas. Lembrando que a equinácea é uma das plantas elencadas na IN nº 02/2014 da Anvisa, restrita à prescrição apenas pelos médicos quando a indicação for prevenção e coadjuvante na terapia de resfriados e infecções do trato respiratório e urinário. A equinácea não deve ser utilizada por pacientes imunossuprimidos (aqueles cuja imunidade está baixa), como os transplantados, ou pacientes que fazem uso de ciclosporinas e corticoides. Casos de hipersensibilidade (alergias cutâneas) – devido à presença de lactonas sesquiterpênicas da família Asteraceae – já foram relatados após o uso; se isso acontecer, o uso deve ser interrompido. As interações medicamentosas são pouco frequentes, pois o fitocomplexo não interfere sobre enzimas hepáticas, como citocromo P450.


Outra planta da moda é a cúrcuma (Curcuma longa, Zingiberaceae), conhecida também como açafrão-da-terra ou mangarataia, cujos rizomas têm sido usados para absolutamente tudo (mesmo sem evidências científicas!). A cúrcuma é uma espécie de origem asiática e seu uso medicinal remonta a tempos imemoriais, sendo inclusive parte da Medicina Ayurvédica. Os princípios ativos desta espécie são os curcuminoides, com destaque para a curcumina. O maior problema dos curcuminoides é a sua baixa biodisponibilidade, uma vez que são pouco solúveis em água e muito pouco absorvidos no trato gastrointestinal, problema que pode ser contornado associando pimenta-preta (Piper nigrum, Piperaceae) às formulações. Estudos evidenciam o potencial anti-inflamatório da cúrcuma, cujos mecanismos de ação envolvem supressão/inibição de células dendríticas, macrófagos, linfócitos B e T, assim como inibição da produção de citocinas e fatores de transcrição. O principal fator de transcrição inibido pela curcumina é o NF-kB, que está relacionado a processos inflamatórios que agem através da expressão de ciclo-oxigenase 2 – COX-2 (enzima que converte o ácido araquidônico em prostaglandinas pró-inflamatórias), óxido nítrico sintase induzida (iNOS), interleucinas e mais de 400 genes envolvidos na inflamação e doenças crônicas. Além do mais, os curcuminoides possuem propriedades antioxidantes, impedindo os danos causados pelos radicais livres. Os curcuminoides inibem alguns subtipos do citocromo P450, e por isso podem causar interações medicamentosas com alguns fármacos, como com os anticoagulantes (ex. varfarina) e os anti-inflamatórios não-esteroidais (ex. aspirina), aumentando o tempo de coagulação e promovendo risco de hemorragias. A curcumina pode ainda potencializar o efeito hipoglicemiante dos antidiabéticos. O uso da cúrcuma pode provocar diarreia e desconforto gástrico nos primeiros dias, e se deve evitar exposição solar durante o tratamento. Pós e extratos padronizados de cúrcuma e a curcumina são considerados seguros para humanos, mesmo em doses elevadas. Estudos clínicos apontam que doses de até 6,0 g/dia de curcumina durante 4 a 7 semanas não apresentam toxicidade, embora o recomendado sejam três doses de 400 a 600 mg de curcumina/dia.


As plantas medicinais são nossas aliadas na prevenção e tratamento das doenças. No entanto, não fazem milagres! Planta medicinal pode ser tóxica se usada de maneira incorreta. A melhor forma de extrairmos os seus benefícios é contar com a orientação de profissionais da saúde habilitados a prescrever fitoterápicos, entre eles, farmacêuticos, nutricionistas, médicos e outros. Fiquem em casa, mas se precisarem sair usem máscaras e higienizem as mãos com água e sabão ou álcool gel 70%. Isso tudo vai passar!


*Alquilamidas são encontradas também em outra planta da família Asteraceae, a Acmella oleracea (jambú), utilizado no Norte do Brasil, conhecido pelo seu efeito anestésico causado pelo espilantol. As raízes de boa qualidade da equinácea promovem também este efeito anestésico quando mastigadas.

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