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O quintal da minha infância: Meu primeiro contato com plantas medicinais

Gabriela Moysés
13 de abril de 2023
Revisado por Leopoldo C. Baratto

O quintal pode ser definido como um espaço do terreno situado ao redor da casa que garante a interação do homem com elementos da natureza. Nele comumente são cultivadas plantas que podem ser usadas para diversas finalidades, como ornamentais, alimentares, condimentares e medicinais.


Desde os primórdios o homem faz uso de plantas para tratar e curar enfermidades. Existem evidências de que o ser humano utiliza plantas para o tratamento de doenças desde a pré-história, na era paleolítica. No Brasil, o uso de plantas medicinais teve contribuições de diferentes povos, destacando-se os indígenas, africanos e europeus.


Os conhecimentos populares sobre as plantas medicinais são geralmente passados de geração em geração e esse conhecimento é chamado de medicina popular ou medicina tradicional. A etnobotânica é a ciência que se preocupa com essa interação da planta com a sociedade, estudando a relação existente entre o ser humano e o modo como essas plantas são usadas como recursos. Através de estudos etnobotânicos, sabe-se que as plantas medicinais são usadas pelas comunidades principalmente na forma de chás, lambedores, tinturas, emplastos ou unguentos.

Quando eu era criança, era muito comum encontrar plantas medicinais nos quintais das residências. Na atualidade, essa prática teve um declínio, principalmente em centros urbanos, sendo ainda uma prática comum em regiões periféricas e áreas rurais. Na minha infância, na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, quando alguém dizia que estava com algum resfriado ou algum problema estomacal, um familiar ou vizinho  sempre tinha um chazinho para indicar.

Eu me lembro bem do chá de capim-limão da minha mãe: tomávamos a noitinha antes de irmos dormir, tínhamos a erva no quintal de casa e eu adorava sentir aquele aroma cítrico tão agradável. Até hoje quando vejo o capim limão recordações de anos atrás vem à minha memória.

O capim limão ou capim cidreira (Cymbopogon citratus) é muito utilizado devido a sua ação calmante, diurética, além de auxiliar na má digestão, resfriado e também em enjôos. A erva medicinal contém um óleo rico em alcoóis, ácidos voláteis, aldeídos, cetonas, ésteres e terpenos. O citral, compostos pelos isômeros terpênicos neral e geranial, é responsável pelo odor de limão característico da planta e é o composto majoritário, juntamente com os também terpenos geraniol e mirceno.

No quintal da minha infância também tínhamos boldo (espécies do gênero Coleus) e quando eu estava enjoada ou me queixava de dor no fígado, lá vinha minha mãe com o chá de boldo! Humm... mas desse eu não gostava não, viu! Este boldo não é a mesma planta que chamamos de boldo-do-Chile (Peumus boldus), pois este último somente cresce no Chile, em regiões de altitude, mas os seus usos medicinais são parecidos. A literatura científica afirma que as folhas do boldo-do-Chile contêm taninos, óleo essencial, flavonoides e majoritariamente alcaloides pertencentes à classe dos benzoquinolínicos, sendo o alcaloide boldina o principal composto bioativo, enquanto o boldo das espécies de Coleus contêm terpenoides, sobretudo diterpenos.

E o pé de jenipapo (Genipa americana) do meu quintal? Ah que lembrança boa! Durante minha infância e juventude já experimentei muitas preparações feitas com esse fruto. Doces, sucos, licores...minha mãe era bem criativa e, acredite se quiser, até bolo de jenipapo ela fazia. Quando eu estava com muita tosse, lá vinha o xarope caseiro de jenipapo para auxiliar como expectorante. A literatura afirma que os principais compostos bioativos do jenipapo são os compostos fenólicos, sendo responsáveis por conferir atividade antioxidante ao fruto.

O quintal da minha infância foi o meu primeiro contato com as plantas medicinais. Além das que mencionei, outras estavam presentes nele, me recordo também da erva-cidreira, aroeira, laranjeira, limoeiro e não posso deixar de mencionar a romã da casa da vizinha! E minha mãe usada todas essas plantas em prol da saúde de toda a família. Essas doces e valiosas recordações que tenho da minha infância sobre plantio, conversas sobre nomes de plantas, formas de preparo, benefícios para a saúde, entre outros me levam a refletir sobre como a medicina tradicional está enraizada na sociedade, de como o uso das plantas medicinais faz parte da cultura de um povo e devido a isso, como é importante a necessidade de estudos científicos para comprovar as ações das plantas medicinais e as doses recomendadas.


Ressalta-se que não é só porque a erva é medicinal que não pode causar algum dano na saúde, seja por ser ingerida em excesso ou por conter alguma substância tóxica, daí a necessidade de estudos fitoquímicos e farmacológicos para garantir o uso seguro. Hoje como cientista, entendo que quando prestamos atenção nos conhecimentos da medicina tradicional e levamos esses conhecimentos para a bancada do nosso laboratório, realizando experimentos para comprovar a ação medicinal de um determinado produto natural, estamos contribuindo com a ciência e também com a valorização e resgate dos saberes populares que estão na sociedade a longas gerações.

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