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Sumaúma, Ceiba, Xtabay, Yakché, Kapok: a árvore encantada

Nina C. Barboza da Silva
28 de novembro de 2023

“Cuidado. Quando você estiver indo sozinho pelo caminho sob a luz da lua e sob as estrelas, o vento do Oriente soprará sobre você e fará você sentir que floresce como a árvore sob a chuva. Então, você se sentirá jovem como se tivesse três juventudes, e a Xtabay, que te espiou, aparecerá diante de você." (Antonio Mediz Bolio - La tierra del faisan y del venado, p. 189).


Os diferentes nomes populares que a Ceiba pentandra (L.) Gaertn. recebe refletem um pouco da importância desta majestosa árvore na cultura de povos originários, da América do Sul à Central. Nativa das regiões tropicais da América Central e do Sul, incluindo a Bacia Amazônica, as florestas tropicais da América do Sul e as áreas costeiras da América Central, sua distribuição abrange uma vasta área geográfica, incluindo países como Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Belize, México, Honduras e outros.


Pertencente à família Malvaceae, trata-se de uma das maiores árvores tropicais do mundo, frequentemente alcançando alturas de 50 a 70 metros. O tronco, cujo diâmetro pode chegar a 3 metros, apresenta amplas raízes tabulares, com 80 a 160 cm de diâmetro e, quando jovem, possui espinhos que também estão presentes nos ramos jovens que formam uma copa esférica ou piramidal. Entre os meses de junho e setembro, a sumaúma produz flores pequenas de cor branca ou amarelo em um formato que lembra uma estrela. Essas flores são polinizadas principalmente por morcegos e abelhas, o que acrescenta valor ao seu papel ecológico nas florestas tropicais para a manutenção da biodiversidade. Os frutos que são, então, formados são cápsulas que contêm sementes envoltas por pelos que lembram um algodão e são conhecidos como "kapok", sendo usados tradicionalmente em diversas culturas para fazer travesseiros e outros artefatos.


Além de sua importância ecológica, a sumaúma possui significativa relevância cultural sendo associada a mitos de criação, morada de grandes espíritos e a conexão entre o mundo dos vivos e dos mortos, sendo, por isso reverenciada por vários povos.


Muitas culturas enxergam a sumaúma como a "Árvore da Vida". Para os Akawaio, Makusi e Arawak da Guiana, todos os seres foram criados a partir de pedaços de madeira ou da casca da ceiba, lançados por um ser divino do topo de uma grande árvore, caindo na terra ou na água, criando assim pássaros, seres terrestres e aquáticos, além de homens e mulheres. Na região amazônica, entre vários grupos indígenas, como por exemplo os Tikuna, há lendas que contam sobre a criação da humanidade a partir das raízes da sumaúma. Por outro lado, os Urubu Ka'apor acreditam que as pessoas não indígenas foram criadas a partir da madeira da Ceiba pentandra, enquanto eles próprios foram esculpidos a partir de outra espécie, a Handroanthus serratifolius, uma das espécies de ipê-amarelo encontradas no Brasil.


Na Colômbia, o povo Kogi que habita a região da Serra Nevada de Santa Marta, chama a ceiba de “Uluá” e acredita que, além de ser a árvore da vida, é a árvore do conhecimento, que contém a sabedoria ancestral de seus antepassados. Eles acreditam que a árvore é habitada por espíritos e que é um local sagrado para meditação e contemplação.


Essa crença de que esta árvore conecta o mundo terreno ao mundo espiritual, onde os galhos estendidos em direção aos céus representam a conexão entre os mortais e os deuses, aparece entre os Tukano, da Amazônia, os Taino, do Caribe e os Maia, que ocuparam uma vasta região na Mesoamérica. Para estes, a ceiba era a árvore que conectava os três níveis do universo: o subterrâneo, o terrestre e o celestial. Eles acreditavam que a árvore era habitada por espíritos e deuses, e que era um portal para o mundo espiritual. Sítios arqueológicos Maias, como Tikal e Copán, revelaram evidências de que as árvores de Ceiba pentandra eram plantadas predominantemente em locais cerimoniais e podem ter desempenhado um papel em práticas rituais e cerimônias associadas à cosmologia maia. Representações artísticas encontradas em cerâmicas, murais, assim como textos hieroglíficos, indicam sua ligação com a cosmologia e a criação do mundo, sugerindo uma importância especial desta árvore.


Ainda na mitologia Maia, temos uma figura lendária chamada "Xtabay", ou "Yakché" na região de Yucatán, no México. Xtabay é tida como uma mulher misteriosa e sedutora que atrai homens para a floresta com sua beleza, e aqueles que a seguem podem encontrar uma morte trágica. A história da Xtabay destaca elementos de perigo e tentação, e a figura é frequentemente associada a narrativas sobre os perigos da floresta.  A lenda de Yakché também apresenta uma mulher que seduz os homens, mas ela é frequentemente associada a locais específicos, como cenotes ou cavernas. Ambas as narrativas destacam a importância de respeitar certos lugares sagrados e a natureza, alertando sobre os perigos de ignorar tais considerações, colocando mais uma vez a sumaúma como uma espécie de guardiã das florestas, portadora de almas e espíritos protetores que vigiavam a floresta, seus habitantes e, de alguma forma, promoviam a conservação e o respeito à natureza.


Cada grupo étnico tem suas próprias narrativas específicas, mas uma constante nessas histórias é a reverência à sumaúma como uma força espiritual e uma conexão vital entre a humanidade e o mundo natural. Essas lendas refletem a profunda interação entre as crenças culturais e a natureza nas comunidades tradicionais. Por essa razão, alguns pesquisadores propuseram considerá-la uma espécie-chave cultural, termo utilizado na ecologia cultural e na biologia da conservação para descrever espécies que desempenham um papel crucial na manutenção da identidade cultural, tradições e práticas de uma comunidade humana específica. Essas espécies, cujas conexões intricadas entre biodiversidade, diversidade cultural e o bem-estar, são consideradas culturalmente significativas e estão profundamente entrelaçadas na forma de vida das comunidades humanas onde são encontradas.


No litoral norte da Bahia, perto de Salvador há um município chamado Entre Rios. Se você tiver a oportunidade de passar por lá algum dia, pergunte onde fica a localidade de Subaúma. Uma das regiões mais belas e ainda pouco exploradas da chamada “Costa dos Coqueiros”, vizinha da famosa Sauípe, Subaúma sempre me intrigou nas muitas vezes que passei por lá durante os anos que participei de projetos de pesquisa e extensão em Etnobotânica com comunidades naquela região. Ficava me perguntando de onde vinha esse nome e se tinha relação com a majestosa árvore. Nenhum morador local soube me dizer. Até hoje não avistei nenhum exemplar dela por lá, mas talvez no passado havia. Quem sabe um dia eu tenha a sorte de encontrar “Xtabay” e pedir para que ela, gentilmente, me mostre seus segredos.

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